23 junho 2008

Enxaqueca

Qual seria a origem dessa palavra? Não tenho idéia, mas vou pesquisar. Há anos que eu não tinha enxaqueca, mas ela veio e já foi, graças. Acho que às vezes preciso me lembrar que ficar pensando demais dói.

18 junho 2008

Memórias zoológicas ou Como eu gostava de insetos

Eu tinha uma boa relação com insetos quando criança, coisa que com o tempo infelizmente mudou. Talvez por ser filha única e por ter crescido no meio de adultos, que nem sempre dispunham de tempo ou paciência para me entreter, costumava ficar horas no minúsculo jardim, pesquisando aquele universo de seres interessantes. Gostava também de sentir o cheiro e gosto das plantas, até que um dia pus na boca uma folha venenosa ( pelo menos era o que diziam) e tive uma reação alérgica tão inesquecível quanto o gosto amargo da planta.

No verão, costumávamos visitar uma amiga de minha mãe que morava em uma casa grande, rodeada por um jardim enorme. Minha diversão era ouvir o canto das cigarras e sair à procura das que haviam estourado de tanto cantar. Eu as apanhava nas árvores e as arrumava em fila como um exército de monstrinhos de plástico, transparentes e sequinhos. Quando eu ia à piscina do clube, adorava ver as libélulas tocando de leve a superfície da água e ouvir a criançada gritando: Olha um lava-bunda!

Cavoucar a terra e encontrar minhocas corcoveantes, centopéias, tatus-bola era uma diversão; ou colocar um pouco de açúcar em uma caixinha e esperar as formigas virem, além de jogar sal nas lesmas e vê-las derreter. Eu detestava mariposas, tinha medo de louva-deuses, que se pareciam muito com os agapantos depois que perdiam suas flores, não gostava muito quando as tresloucadas borboletinhas pousavam no meu vestido.
Certa vez, meu vizinho convidou a criançada da rua para dar uma volta de carro, era um Pontiac dos anos 50 de cor creme, com a parte de cima da capota na cor bordô, desbotada. Entramos todos animados e eu sentei perto da janela, feliz da vida. Quando o vizinho olhou para trás para dar marcha ré, lascou-me um tapa no rosto que eu quase perdi a fala. Como se não bastasse, uma agonizante mariposa gigante se debatia no meu colo e tudo o que eu pude fazer foi gritar. Não gosto nem de lembrar.

Meu pai era bancário, trabalhava na sessão de contas correntes das 18:00 horas até a meia noite, quando eu e minha mãe íamos buscá-lo de carro. Nesse meio tempo, eu ficava estudando, fazendo lição e minha mãe costurando, fazendo tricô ou jogando paciência. Certa noite, quase na hora de sairmos, acabou a luz e ficamos no escuro por um tempo, até que ela resolveu sair e ligar os faróis do carro. Quando eu estava saindo, senti algo bater no meu rosto, me debati assustada, me enrosquei na cortina, mas consegui sair e fechar a porta de vidro. Quando eu entro no carro, esbaforida, vejo balançando na cortina uma mariposa, bem grande e escura.

Anos mais tarde, em uma sessão de psicanálise daquelas freudianas, havia uma maldita daquelas pousada acima da porta que eu só fui notar quando deitei no divã. Adulta e bem reprimida, não pude fazer o escândalo dos tempos de criança, o que me custou mais algumas sessões falando a respeito. Ainda tenho medo de voadores das trevas, como as tais mariposas, os morcegos e as baratas.

Acho que vou fazer uma fezinha na borboleta 13. Quem sabe?

A turma do fundão

Somos da turma do fundão. Bagunceiros, indisciplinados , irreverentes, às vezes. Nossa mediadora cultural, Karin, tem uma postura democrática, nos deixa estrapolar. Nós extrapolamos.

Conseguimos uma unidade na diversidade. Falei bonito, mas é a pura verdade. Foi em certa aula na cozinha que o fenômeno ocorreu. Primeiro, descobrimos que a classe inteira é do fundão. Criamos o fundão redondo. Maravilha. Em seguida, foi um tal de revelar cicatrizes, internas e externas, visíveis e invisíveis, que eu acho que um pacto de sangue, sem querer, aconteceu. Agora não tem mais jeito, estamos unidos para sempre. Mesmo que não nos encontremos mais, cada um estará presente na vida do outro, unidos pelas “Memórias”. Seremos eternos escreviventes.

Top do Pop

Quando eu era menina, costumava passar pela Casa das Rosas e morria de vontade de passear pelos jardins. Ficava pensando como a casa seria por dentro, como seriam as pessoas, se havia crianças. Sonhava em entrar e conhecer cada detalhe. Mais tarde, fiquei com medo que a abandonassem como fizeram com outras belas casas na Avenida Paulista.

Muitas águas rolaram até que eu, um dia, batalhando mais um recomeço em minha vida e vendo os portões abertos, decido entrar. Era dezembro de 2004, o primeiro dia da Casa das Rosas como Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura. Eu não sabia de nada, mas decidi entrar. Conheci tudo, até o sótão, inspiração de minhas fantasias de criança. Adorei. Quem sabe um dia eu faria parte daquele pequeno Shangrilá em plena Avenida Paulista.

Demorou, mas aconteceu. Quatro anos depois, soube dos cursos livres, me inscrevi e decidi que passaria meus sábados na Casa das Rosas. Apesar de saber mais ou menos o que esperar, me surpreendeu constatar que muita gente gosta de poesia, que as pessoas se reúnem para escrever e dizer poesia, que há cursos de qualidade, com professores competentes.

O casarão é top porque é o melhor, e talvez seja o primeiro e único, espaço público do país destinado à poesia. È pop porque agrada o gosto popular da cultura urbana.
Casa da Rosas é o top do pop!

15 junho 2008

Domingo sem Síndrome

Apesar de ter trabalhado o dia todo, apesar da chuva no fim da tarde, apesar do frio, o final de domingo foi ótimo: foi terminando com uma peça de teatro descolada, bate papo de qualidade em ótima companhia. Super!

Para completar, um macarrãozinho com manteiga, coca-cola e café filosófico na tv Cultura. O assunto? Sexo e Amizade. Interessante. Esse domingo terminou sem "blues". A semana promete bons ventos.

13 junho 2008

Concurso Literário Brava gente Brasileira em Terras Estrangeiras

"Meus queridos,

Vocês bem sabem que eu sofro de "Síndrome de Domingo `a Tarde" desde pequena e as imagens da minha infância em São Paulo, com tardes frias e cinzentas como hoje, passeiam pela minha mente como um filme em preto e branco: posso até ver você, papai, jogando cartas com a mamãe na sala de jantar e eu, sentada no tapete florido da sala de visitas, construindo cidades inteiras com as cartas de um baralho velho. Lembro-me muito bem que colocava carta por carta, pacientemente, olhando para a janela de vez em quando, para ver a garoa fria escorrendo pela vidraça. Eu prendia a respiração, com medo que meus castelos desabassem mas mesmo assim eles desabavam...várias vezes…e eu começava tudo de novo…carta por carta… Nós três ficávamos assim durante horas, quietos, esperando o domingo acabar. Só ouvíamos o plic-plac das cartas, o tic-tac do relógio, um carro passando na rua molhada e a sua tosse, papai.

Quando anoitecia, mamãe esquentava o macarrão do almoço na frigideira e comíamos com muito queijo ralado. O autêntico macarrão italiano da mamãe ficava ainda mais gostoso requentado. O Guaraná na mesa e o fim da sobremesa.

O silêncio...

O silêncio era quebrado por você, papai, que tomava café (e ainda toma, que eu sei!) fazendo um barulhão e deixando escapar um ahhhh... depois de cada gole. Mamãe, parece que estou vendo a senhora toda empertigada, com seu ar de desaprovação, acendendo um cigarro, séria e preocupada. A senhora ficava muito tempo assim, fumando e olhando para o nada, sempre preocupada...Eu ficava entre vocês dois, me enchendo de Guaraná e me afogando no silêncio.

Domingo `a tarde...

Hoje escrevo para vocês com saudades daquele silêncio, que queria dizer tanto... Queria dizer que vocês estavam ali, comigo, olhando meus castelos que duravam alguns minutos, mas que eram verdadeiros, lindos, no tempo em que estavam em pé. Quantos castelos desabaram. Hoje os castelos são outros, também desabam, mas vocês já não estão mais tão perto. O Guaraná é dietético e a sobremesa...fica para depois.

Estou planejando visitá-los no final do mês e gostaria de passar o domingo aí, com vocês. Quero comer o macarrão da mamãe e ouvir você, papai tomando café e fazendo muito barulho. Quero sabremesa com Guaraná natural, tudo muito doce e quero dizer o quanto eu amo vocês, meus queridos. Tenho certeza que a síndrome do domingo `a tarde, um dia vai passar.

Beijos e saudades da sua filha."

Ela dobrou o papel sem reler a carta, colocou no envelope e depois de deixar em cima da mesinha, foi para o quarto, arrastando a manta. Só dormiu bem mais tarde, quando seu rosto caiu cansado no travesseiro molhado de lágrimas salgadas.

12 junho 2008

Mataram o homem

Mataram o homem!
São seis e pouco, estou descendo a avenida a pé, como sempre, e vejo uma quantidade de carros de polícia e a turma do CET ajudando a descongestionar a avenida, que estava um pouco pior do que costuma ser. Não ví nenhum carro batido, nem moto e nem um corpo estendido no chão. Nessas alturas já estou entrando no prédio quando o zelador me diz: "Mataram o homem!"Mas, quem? Como? Agora? Sim. Agora: o assaltante finge estar no ponto de ônibus e quando o trânsito pára, sai para assaltar o motorista de um carro. Rapidamente o motorista sai do carro, rende o assaltante e o leva pelos colarinhos até a calçada. O tipo reage, o motorista, que era um delegado, estava armado, atira e mata o sujeito. A cena toda não demorou mais que um minuto. Antes de atirar no assaltante, o delegado liga para a polícia, que por sorte estava por perto. Eles chegam, levam o corpo, todo mundo que passa quer ver o que aconteceu. Não aconteceu nada. O homem morreu.

11 junho 2008

Memórias evocadas pelos sentidos

Sentir, sonhar sensibilizar. Sentir o senso suscetível. Sonhar sentindo a maciez das pétalas nos sentidos, nos sentimentos, nas sensações que levam a uma outra dimensão do sentir.

A veneziana, que a pouco estava aberta, escancarada, se fecha para trazer a intimidade da sombra ao quarto. Dentro, a cama antiga e os lençóis de linho convidam à preguiça os corpos nus e quentes do sol lá de fora.

Com a sensação da rosa branca que percorre seu corpo ela se entrega ao momento do sentir e sabe, com cada célula, que sexo é sentir sozinha a sensação do ser. Brinca com a rosa que percorre suavemente a exuberância de suas formas sinuosas, enquanto abre sua alma para a luxúria.

O espelho do guarda roupa, que é o reflexo da imagem da entrega, ajuda a compor a cena. O sol quente da tarde de verão insiste em penetrar pelas frestas da veneziana enquanto os corpos se entrelaçam, lutam, estremecem. O quarto, o lençol, o chão, as paredes e o teto listram listras de claro-escuro.

A rosa, que era botão, começa a se abrir, de certo pelos corpos que ardem e rolam de desejo e verão, só de sentir a rosa a tocar os sentidos. Ela arranca a rosa, que agora é uma intrometida, e a arremessa ao chão. Cai a rosa sem sentir a sensação de ter um permear de corpos e suores, salivas e sais. Os odores, os fluídos e os sabores, os cheiros dos amores se misturam e o sol insiste em invadir aquela solidão de sentir a dois.

Sozinha no chão, a rosa deixa que suas pétalas se abram e se despreguem da haste uma a uma, lentamente, murchando de pura inveja de não poder sentir o que os corpos molhados sentem nos lençóis de linho da tarde morna.

Morre a rosa sem sentir o que fez com que a outra, suspirando e gemendo, sentisse.

Sandra Schamas

08 junho 2008

ec2

Aí eu ouço um poema muito bom, com palavras pesadas e certa irreverência, olho para ver quem o lê. É Eduardo, espalhado na cadeira, sorrindo e demonstrando convicção do que diz em versos. Gostei.

As pessoas se surpreendem ao saber que ele é empresário, pai e filho. Aparentemente não gosta que os outros saibam quem ele é, mas conta que sua entrada no mundo literário, como leitor e escritor, deu-se apenas no ano passado, que admira Arnaldo Jabor e José Simão, tem mania de colecionar filmes e cartões postais. Querendo que ele se interessasse o mais cedo possível por livros, sua mãe lhe deu uma biblioteca, formada aos poucos, desde que ele nasceu. Na primeira oportunidade ele vendeu tudo.

ec2, como gosta que o chamem, tem uma personalidade interessante. Tem presença, a estatura e o porte ajudam. Franco, não tem a menor cuidado em ofender as pessoas, talvez porque saiba que não ofende. Choca, mas não ofende. Gosta de ser polêmico, de ser do contra e de soltar o verbo. Vive com um mini computador e é nessa maquininha que escreve. Observador sagaz, registra tudo na mente e pouco comenta. Crítico? Sim, muito, mas suas críticas têm fundamento. Certamente é crítico de si mesmo e sofre com sua perspicácia.

Contraditório? Acredito que sim, pois ao mesmo tempo em que abomina uma crônica sobre o prazer de dançar, deixa entrever seu lado romântico quando conta como presenteia sua mãe. Diz-se pegador, que adora iludir as mulheres, mas posso apostar que se apaixona fácil. Agressivo quando escreve, é carinhoso falando do filho de oito anos. Demonstrando ser durão, se comove com as injustiças do mundo.

Inteligente, rápido nas respostas, assertivo nos “sins” e nos “nãos”, esse é Eduardo, que marca presença e se deixa gostar.

Domingo

Dia gostoso até umas quatro da tarde. depois dá uma tristeza até a noite vir. A partir daí já é segunda-feira.

Tenho essa síndrome do domingo à tarde, mas, felizmente percebo que melhora a cada ano. Acho Descobri que ficar esperando o domingo passar não adianta nada.
Daqui a pouco já é segunda. Fui.

Meu Mundo Melhor

Apaixonadas pela criação do inesquecível, a designer gráfica Marina Gregori Massarente e a escritora Sandra Schamas criaram o atelier de criação Meu Mundo Melhor.

Marina Gregori é formada em publicidade e propaganda pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Trabalhou em agências de publicidade e especializou-se em design gráfico na School of Visual Art (SVA), em Nova York. Entusiasta da irrestrita capacidade da imaginação, Marina cria ilustrações, diagramações e carismáticos personagens no “Meu Mundo Melhor”. Engajada com a responsabilidade social, Marina é voluntária da AACC, e em parceria com duas psicólogas, escreveu um livro destinado a crianças com câncer: A Batalha do Bem Contra o Mal.

Sandra Schamas morou nos Estados Unidos e especializou-se em traduções jornalísticas e textos para televisão. Escreve para revistas especializadas, é autora de vários livros e atua como tradutora literária. É a responsável pela redação das deliciosas tramas dos livros. Sandra é conselheira da Associação Viva e Deixe Viver, que forma contadores de histórias para crianças hospitalizadas, e dá palestras no processo de capacitação de voluntários. É consultora da rede de franquias Carol Gregori e coordenadora da ONG dobem.

A designer e a escritora se completam numa sinergia lúdica e ímpar, o que as torna capazes de criar emoções. Para saber mais sobre os projetos do Meu Mundo Melhor entre http://www.meumundomelhor.com.br/

07 junho 2008

Curso de Dramaturgia

Sempre quis saber escrever roteiro de cinema, estou tentando estudar um livro, mas faz quase um ano que não tenho tempo para ler um capítulo sequer. Aos sábado, meu dia só meu, faço cursos na Casa das Rosas, de manhã e de tarde. Em geral tenho gostado bastante. Eis que um dia fico sabendo do início de um curso de dramaturgia. Achei uma boa, meu querido Edu, ou ec2, como gosta que o chamem, também resolveu fazer.

Animada, fui à primeira aula. A voz da professora citando livros e livros foi me dando sono e o fato dela insistir em dizer o que o grupo ejá havia feito, me fez sentir um E.T.Tive vontade de gritar E.T. phone home. Quero minha mãe. Intervalo. Café, pelo amor de Deus! Ela sugere que a gente tome mesmo café, porque não gosta de ver os alunos bocejando. Segunda parte da aula: o mesmo tom de voz, falando, falando, falando. Eu estava sonhando, quando ouvi ao longe “…que estão com sono, por favor saiam e vão dar uma volta, porque eu detesto ver as pessoas dormindo na minha frente.”

Era eu mesma. Dormindo e sonhando na aula. Não deu. Meu querido ec2 insistiu e eu voltei na semana seguinte. Não dormi, ainda bem, mas também não prestei a mínima atenção na aula. Que pena, mas meu santo não bateu com o da esforçada professora de dramaturgia. Acontece.

Memórias de Família

Receitas

Uma boa lembrança é a visão de minha mãe, toda arrumada, subindo a escada com uma bandeja e um prato de bananas cozidas, com canela e açúcar. Com seu ligeiro sotaque dizia: “Te fiz banana cozida para levantar as forças. Banana tem potássio, faz bem. Come tudo, vai, pra ficar boa.” E aquele aroma delicioso de canela invadia o quarto, enquanto eu comia a tal da banana, quentinha e doce. Essa receita me fez bem enquanto minha mãe viveu e cuidou de mim. Ainda faço banana cozida para cuidar de alguém que quero bem.

Tenho ainda uma sensação de ver minha avó, mexendo a polenta no fogo e dizendo para eu não chegar perto do fogão. Às vezes espirrava um pingo amarelo, fervendo e eu pulava para trás. Pensar na carne moída com molho de tomate caindo sobre a polenta e o parmesão ralado na hora ainda dá água na boca.

Aprendi com minha mãe um tipo de risoto, feito com sobra de arroz, para comer nos dias de tristeza ou cansaço. Coloca-se um pouco de leite na panela, dissolvido em um pouquinho de maizena, para engrossar levemente. Acrescenta-se sal, uma pitada de pimenta do reino, uma pitada de nós moscada. Quando ferver, acrescentam-se as sobras do arroz, mussarela picada, parmesão ralado. Come-se bem quente, com mais parmesão por cima. Faz bem para a alma.

Tudo que sei da cozinha árabe, aprendi com minha tia Loris, irmã de meu pai. Eram raros os momentos em que ela não estava na cozinha, pois, desde pequena, foi o que mais ela teve de fazer. Depois de casada, com cinco filhos e marido exigente, cozinhar era sua rotina. Eu me encantava ao vê-la preparar um panelão de charutinhos de folha uva, todos arrumadinhos em camadas. O cheiro de especiarias na cozinha era delicioso. Eu adorava roubar um ou outro charutinho, quando ela não estava olhando. À mesa, enquanto eu saboreava seus quitutes, ela dizia “Coll habib, coll... sahténn”, ou seja “come querida, come…saúde”.

Cheguei a aprender fazer folha de uva, mas fiz uma única vez, dá muito trabalho. Em compensação sei fazer quibe, esfiha, arroz marroquino, coalhada fresca e seca (atualmente compro pronta, porque é mais fácil) e tabule. O que preparo melhor é o arroz com lentilhas, mjadra. Dizia meu pai que era o mais saboroso, melhor do que o preparado por sua querida irmã. Eu sempre tive orgulho disso.

A comida árabe é ritualística, tudo dá muito trabalho e exige um tempero especial. Para fazer o arroz com lentilhas separa-se uma xícara de lentilhas e meia xícara de arroz. Coloca-se a lentilha para cozinhar e quando estiver mais ou menos cozida coloca-se o arroz junto, na mesma panela. Enquanto isso, corta-se três cebolas grandes em fatias bem fininhas. Em uma frigideira grande, coloca-se azeite de oliva e frita-se a cebola até ficar bem corada. Coloca-se uma colher desse azeite com cebola frita na panela em que se está cozinhando o arroz e a lentilha, para dar sabor. Acrescenta-se o sal. È bom não colocar muita água no cozimento, porque o arroz e a lentilha devem ficar sequinhos. Deixa-se descansar um pouco na panela, depois se despeja em um prato, com a cebola frita e o óleo por cima. Pode ser comido quente ou frio.

Cozinhar é um ato de amor!

Memórias da Praça da Sé

Marcamos um encontro na Praça da Sé, no Marco Zero, ao meio dia. Chegamos pontualmente a tempo de ouvir os sinos. Meu coração, aos pulos, atrapalhou minha intenção de querer parecer tranquila.

Fingimos que tudo bem, somos bons amigos, afinal. Almoçamos no Pátio do Colégio, conversamos. No silêncio entre os assuntos, olhos nos olhos, emoção. depois voltamos ao Marco Zero e cada um seguiu sua vida.

Sinto saudades do tempo em que fingíamos ser apenas amigos.

última de 1500

Sobre Praças

Praça, para mim, é a da República. Dos anos 60, de preferência. Era linda, arborizada, com aquela pequena ponte sobre o lago com peixinhos, patos e cisnes brancos. Gosto também da Fonte Milão São Paulo, que fica na Avenida República do Líbano, esquina com a Avenida IV Centenário. Logo a seguir, ainda na República do Líbano, uma micro praça com uma escultura do cedro do Líbano, um pouco antes do Clube Monte Líbano e do Clube Sírio. Sugestivo.

São Paulo tem centenas de praças, mas poucas, ou quase nenhuma tem aquele charme das praças do interior, aonde todos vão para ver e serem vistos. È uma pena, mas é o que temos. Se tivermos o hábito de andar só de carro, não poderemos apreciar o que a cidade nos oferece de bonito, porque a atenção é tanta, que se desgrudarmos os olhos da pista, um instante que seja, podemos causar um terrível acidente. Sem falar do enxame de motos e seus intrépidos motoqueiros, que invadem as ruas, velozes, arriscando suas vidas e a dos outros.

As grandes cidades nem sempre são bonitas, mas podem ter seu charme, ainda que escondido em recantos, à vista apenas de olhos sensíveis. Se sempre estamos protegidos dentro dos nossos carros blindados, com vidros escuros, como se eles fosse uma bolha inatingível, perdemos o sentido de que a cidade nos pertence. Perdemos o senso de cidadania. Por isso, deixe seu carro em casa, apenas por um dia, curta a sua cidade a pé, de ônibus , ou metrô e vá apreciar as praças da cidade e entender porque elas estão ali.

crônica - 1500

Senso de Direção À Brasileira

Você toma um táxi no aeroporto e diz ao motorista: “Eu vou para a rua Sampaio Viana, esquina com Oscar Porto. Sabe onde fica?” No máximo, ele vai perguntar se é no Paraíso, porque tem uma rua Sampaio Vidal em Pinheiros. Incrível!

Não temos uma cultura de usar os pontos cardeais, para nos localizarmos e as pessoas conhecem as ruas por nome. Como se ainda não bastasse, uma rua começa com um nome e termina com outro, às vezes mais de uma vez. Geralmente, para se fazer uma conversão, dá-se uma grande volta. Com um povo com essas características, uma quantidade absurda de carros nas ruas, como padronizar a sinalização de uma cidade como São Paulo? Difícil, mas possível.

Temos um bom sistema de sinalização. Porém, é bom para nós paulistanos que aprendemos a traduzir, mas fico com pena dos visitantes. Quando os parentes vinham do Rio de Janeiro, meu sogro costumava encontrá-los no final da via Dutra, mas quase sempre todos se perdiam e eram horas para chegar em casa. Eu ficava aflita todas as vezes, mas parece que se perder pela cidade fazia parte do programa.

Fico imaginando um americano, por exemplo, de uma cidade como Miami, onde todas as ruas estão no sentido leste oeste e todas as avenidas, no sentido norte sul, sem curvas ou ladeiras, perdido na marginal Tietê. E o nome dos lugares? Tucuruvi, Anhangabaú, Aricanduva e por aí vai.

Que esta crônica seja um tributo aos motoristas de táxi, que nos levam a toda parte, no meio desse caos que é a nossa cidade.

crônica de 1500 toques

Telhados da minha janela

Moro no segundo andar de um edifício, em um apartamento que é de fundos, o que diminui bem o barulho da avenida. Porém, a vista que tenho é a de um outro edifício residencial e, no meio, entre um prédio e outro, há uma dessas casas de cômodos, da qual vejo apenas os telhados.

A fachada da casa não foi modificada, está como devia ser antigamente. O telhado original é bem bonito, com telhas francesas. Porém, o casarão se estende em vários puxadinhos, todos muito feios. Ao lado da casa, são duas construções; nos fundos, no que seria a lavanderia, as telhas são de plástico. E no final do terreno há um puxadinho maior, cujo telhado virou uma espécie de depósito, cheio de tranqueiras e folhas de árvore.

Por sorte, no meio dessa construção improvisada, há uma enorme caramboleira, que ameniza o cenário. Provavelmente, nos dias de chuva, esses telhados mal feitos devem ter goteiras, mas parece que as pessoas não se importam muito com esses detalhes, preocupadas que estão em sobreviver.

O puxadinho virou um ícone cultural, telhado foi substituído pela laje, que passou a ser o lugar de lazer. Foi esse o jeito que as pessoas de menor poder aquisitivo encontraram para resolver o problema de moradia. É uma pena que as pessoas não saibam que, fazendo essas construções clandestinas, gastam mais em material e correm sérios riscos.

Esse é mais um dos problemas de cidades grandes como São Paulo e o caminho das soluções é bem longo e estamos longe de saber onde ele vai dar.

4 crônicas de 1500 toques

Calçadas Destroçadas

Gosto de falar sobre as calçadas da cidade porque sou pedestre por opção.
Ando bastante, gosto de andar; sinto-me livre, parte da cidade, olhando as pessoas, sentindo o vento e a chuva, apreciando os dias de sol.

Essa é uma versão muito romântica para quem anda em São Paulo, porque a realidade não é bem assim. Nem sempre posso caminhar sem olhar para chão, pois corro o risco me acidentar. Uma simples torção de calcanhar pode me prender em casa por um tempo e isso é tudo o que eu não quero.

Outro problema é a inclinação das calçadas, que não facilita o caminhar. Os cidadãos, mais preocupados resguardar seus veículos, reformam o passeio em frente às suas casas, rebaixam a guia, fazem degraus absurdos e você que se vire. Quem mandou andar a pé? Até esticam seus portões de ferro adiante do muro, fazendo uma espécie de barriga que vai quase até o meio-fio e obriga andarilhos a caminhar no meio da rua.

Porém, as coisas começam a melhorar, ainda há esperança: finalmente alguém percebeu que é importante para a cidade ter calçadas onde se possa caminhar. As calçadas da Avenida Paulista, por exemplo, estão sendo refeitas; finalmente alguém percebeu que a pedra portuguesa, ao contrário do que se pensava, não é de fácil reposição. O novo passeio é de cimento liso, bem bonito e deixou a rua bem mais bonita. Vamos esperar para ver as novas calçadas da avenida e torcer para que muitas outras sejam refeitas. Só então poderemos caminhar felizes, de cabeça erguida.