01 setembro 2008

Eu te Amo

Sempre assim.

Toda semana eram vinte e oito camisas e vinte e oito camisetas para passar. Fora as cuecas, os pares de meia, inclusive as de futebol, as calças jeans, bermudas e calções. Marido e três filhos homens, seu orgulho. Na sala, a mesa de passar em frente à TV, as pernas doendo e o suor escorrendo. Primeiro o colarinho, depois os punhos e as mangas, as costas, os ombros e parte da frente. Trabalho ingrato. Ela escuta barulho de chave na porta da frente, entra o seu mais velho com pressa:
-- A camisa azul está passada? Vou tomar banho e vestir agora.
-- Olha aqui, já leva.

Dez minutos depois ele aparece de cabelo molhado, só de calça e a camisa azul toda amarfanhada na mão:
-- Já não disse que eu detesto colarinho engruvinhado, porra! Que merda!
-- Dá aqui que eu passo de novo.
-- Agora não quero mais, foda-se.

Ele foi até o quarto, pegou uma camiseta, saiu vestindo e falando ao celular.
-- Malcriado, puxou o pai - disse ela.
A TV continuava ligada, mas ela não prestava atenção, passava a roupa apenas. Quando terminou, já estava escuro. Enquanto recolhia tudo, o marido chegou batendo a porta e jogando a mochila no meio da sala. Estava com fome, queria jantar.

-- Tem arroz na geladeira, diz ela. Frita um ovo que eu tenho que guardar isso tudo.

-- Arroz com ovo, mulher? Está pensando o quê? Eu trabalho o dia inteiro, trago dinheiro para casa, chego e não tem janta? Mulher burra, não presta para nada. Eu quero comer comida! Vem fazer o jantar.

-- Faz você. Estou ocupada, respondeu ela, equilibrando uma pilha de roupa em uma das mãos e os cabides com as camisas passadas na outra.

Depois de guardar tudo, voltou ajeitando o cabelo no alto da cabeça e foi até a cozinha preparar o jantar. Ele estava parado olhando para ela com ódio, socando uma mão na outra, como quem vai brigar.

-- Ué! Que foi, homem? Já vou fazer o jantar.

Mal acabou de falar, ela sentiu o ardor do tapa na cara. Segurando o rosto, cambaleou e caiu, batendo a cabeça no mármore da pia. Ele foi para a sala furioso, gritando e xingando tanto que nem reparou que ela não se mexia mais. Minutos depois voltou. Viu sangue se espalhando na cozinha e ela lá, imóvel, de cara no chão. Reclamando ainda, ele a levantou e sua cabeça pendeu pesada para trás, mostrando o buraco na testa e o rosto desfigurado. Da boca entreaberta escorria sangue e saliva. Os joelhos estavam dobrados, os braços pendiam e os olhos esbugalhados fitavam o vazio.

-- Acorda, mulher, acorda! Pelo amor de Deus. Olha o que você fez. A culpa foi toda sua, toda sua, entendeu? Não faz isso comigo, acorda! Eu te amo, eu te amo, eu te amo…