30 novembro 2009

Mar

1.
No vai e vem das rendas esgarçadas de espuma rodeando seus tornozelos, pensava ser a única a gostar da imensidão cinza do mar nos dias frios. Afastou-se sem tirar os olhos do horizonte que mal conseguia decifrar e inalou a maresia. Água, sal, vida, começo de tudo. Êxtase.

Arrancou o cachecol e a japona, rodopiou e correu como quem se encontra com um grande amor. Livrou-se do resto das roupas e voltou para afundar os pés na beira mar. Depois, sentou-se. Apoiada nas mãos que também se afundavam, jogou a cabeça para traz, abriu as pernas e deixou-se possuir.

2.
No vai e vem das rendas esgarçadas de espuma rodeando seus tornozelos, seus pés afundavam. A lã molhada da calça pesava; o cinza do cenário também. Ela virou o rosto e viu, na ponte enevoada, dois vultos abraçados atirando algo no mar.

O vento bateu forte, ela sentiu como um véu tocando seu rosto. Passou a língua nos lábios, um leve gosto metálico, acre, desconhecido. A japona e o cachecol estavam com uma espécie de bolor apenas do lado direito, de onde vinha o vento.

Iria para o hotel, tomaria um banho quente, jogaria aquelas roupas fora. Tomaria um copo de vinho, poria uma flor no cabelo e sairia para dançar com uma vida nova, só dela.

27 novembro 2009

3 LINHAS

DE TANTO TATURANEAR
A INDOLENTE LAGARTA
BORBOLETEOU

A JOANINHA, COITADA
PERDEU AS BOLINHAS
E FICOU PELADA

O SAPO OSCAR TÃO FORMOSO ERA
QUE ACABOU VIRANDO PRÍNCIPE
EM PLENA PRIMAVERA

O CHINELO VELHO
TANTO SE ARRASTOU
QUE UM DIA SEU CAMINHO ENCONTROU

ARGOLINHAS DOURADAS
CACHINHOS DE MEL
ANGINHOS CELESTES VOARAM NO CÉU

O POBRE CAMALEÃO
MORREU ESPUMANDO
DE TANTO LAMBER SABÃO

SACI PERERÊ
PIROU NA PRAIA DO PEREQUÊ
PORQUE, VOCÊ SABE PORQUÊ?

A GORDA GOTA DE ORVALHO
ENGORDOU, ROLOU
CAIU DO CARVALHO

ERA UMA VEZ
UMA GALINHA CHOCA
QUE ADORAVA COMER PIPOCA

NA CORTE DO REI TONICO
AINDA SE USAVA PENICO

25 novembro 2009

Pele

Pele morena e doce
Que encosta e gruda
Como se imantada fosse
No desejo transpira
Cheiro de corpo
Calor de corpo
Enrosco, agonia
Mão na nuca
Pele fria
Mão na boca, nos seios
Um aperto, um abraço
Vem...
Me abraça de novo
Me mata de cansaço

Ela gostava de blues

Antes da cremação, os filhos foram à casa dela para ver o que teriam de jogar.
Ver o que poderiam ficar. Ver o que fariam com o resto.O resto.
Estavam tristes, sim estavam. Tarefa difícil, ninguém quer fazer.
Abriram gavetas, reviraram armários, constrangidos, meninos.
Na cômoda, uma caixa fechada. E a chave, onde está?
Acharam, abriram, choraram, sorriram, encontraram...
Uma foto, um momento, um amor. Uma carta, uma fita, um poema.
Ela escrevia poemas. Você sabia? Você sabia? Nem eu.
Um blues safado
Você e eu
De rosto colado
Seu corpo no meu
Os seus olhos blues
Os meus olhos blues
Seus olhos nos meus
Meu vestido blues
Me solto, me perco, suspiro , desmaio
Detesto parar
Você e eu, você e eu
De rosto colado
Um blues marcado
Meu corpo no seu
Os seus olhos blues
Os meus olhos blues

Diálogo

- Oi. Está pronta? Vamos logo por causa do trânsito.
- Você chegou cedo, que milagre!Eu estou pronta, só vou pegar um texto que escrevi para ela. Achei que precisava dizer algo na hora. Só um segundo, volto já.
- Antes, me diga onde está. Acho isso tudo muito estranho. Eu disse que preferia do jeito que todo mundo faz, mas você insistiu tanto... Ela deixou por escrito, tudo bem. Mas, até ai, vamos combinar que agora ela não apita mais nada, não é? Topei fazer isso só vou porque você me pediu.
- Está ali, ó, na estante. Eu não sabia onde por. Pedi uma urna simples porque vou jogar fora depois. Você pode pegar, para ir adiantando, e colocar dentro daquela caixa de caixa de papelão. No carro, a gente coloca no banco de trás. Acho melhor no chão, assim não cai. O que você acha? Levo no colo?
- Sei lá. Estou com medo de pegar, espero você descer.
- Vamos? Cadê a urna?
- Coloquei na caixa e já esta no carro, no chão, atrás. Eu senti uma coisa estranha, uma dor no estômago. Parecia que eu estava cometendo um sacrilégio. Eu baixei aquela música que ela gostava Miss Sally’s Blues, lembra? Ela vivia cantarolando, fez a gente assistir aquele filme triste pra caramba e todo mundo chorou. Achei que tinha a ver. Sei lá. Também achei que precisava levar alguma coisa.
- Gostei.
- Até que é uma boa pegar a estrada no meio da semana. Viemos tão rápido que eu nem senti. Vá olhando as placas, a sinalização aqui é horrível.
- Entra ali. São Vicente, Praias, Ponte Pênsil.
- Vou estacionar aqui.
- Nossa! Que lugar incrível. Ela dizia que vinha sempre aqui quando era pequena. Contava uma história de uma menina que tinha fugido de casa, atravessado a ponte correndo, com tamanquinhos de madeira e caído no mar. Morreu afogada, mas sua alma ainda perambula pela ponte. Quando as pessoas passam de carro ouvem esse barulho das tábuas são soltas e dizem que são os tamanquinhos da menina.
- Acho que aqui está bom porque o vendo está vindo de lá. Senão vem tudo em cima da gente.
- Não quero ler o que eu escrevi. Acabou. Agora nós somos a linha de frente.
- Abre logo, vamos jogar as cinzas antes que eu desmaie. Estou me sentindo mal.
- Putz! O vento virou!

10 novembro 2009

De Dentro do Armário

Aqui no escuro ninguém me acha, quem sabe eu me acho.

A fresta de luz deve ter uns três milímetros, a prateleira é resistente, as roupas têm meu cheiro. Quero ver se vou entender o que eu escrevi depois, se alguém vai entender o que eu escrevi depois. Vou escrever bem grande, em letra de forma, gastar o caderno todo.

Estou esfarrapada, dolorida. De manhã não quero sair da cama. Tem muita gente no mundo e todas falam no celular. Búfalos andam de metrô, veículos robustos empoderam idiotas, enxames de vespas escoam pelas ruas. As línguas se bifurcam, espirram perdigotos de veneno e meu antídoto está vencido. As calçadas não são para seres humanos, são para cães e suas babás. Os reflexos me perseguem, tenho ódio daquela mulher. Quando não consigo evitar, me aparece um espectro caricato do que eu não quero ser.

Nesse cômodo, não vejo: sinto. Eu gostava de menstruar. O toque do jeans, que não me serve há anos, me excita, as possibilidades de fazer sexo são mínimas. Liberdade é uma calça velha azul e desbotada, que você pode usar do jeito que quiser. Só não usa quem não quer... Eu quero, mas não posso; não me serve mais. Nem meus filhos usam mais jeans, são agora pessoas de terno.

Sou o coringão, o jockey do baralho. Valho o dobro na contagem, me encaixo em todos as jogadas mas, sozinho, não passo de um bobo da corte.

Uma Bela Mulher

Na mesa de aço inoxidável, o corpo de formas arredondadas e pele quase transparente foi dissecado com precisão. Retiraram os lençóis, limparam o cadáver, colocaram um suporte no meio das costas para levantar o tórax. Começaram pela unha do polegar direito que já estava meio solta. Puxaram-na devagar e uma nova unha despontava na carne rosada. Depois puxaram a do polegar esquerdo, igual. Arrancaram uma por uma as outras unhas das mãos e depois as dos pés. O dedão do pé direito já estava sem. Fungos por causa do sapato apertado.

Um corte diagonal desde o ombro direito até o peito, curvado em torno da base das mamas, antes de passar pelo osso esterno e chegar ao ombro esquerdo. Feita a incisão do peito até o púbis, formando o Y, uma massa vermelha e amorfa estufou de dentro do corpo e saiu em partes. O bisturi soltou a pele e o retalho foi puxado para cima do rosto. A tesoura gigante cortou o osso esterno e as costelas se abriram como uma gaiola macabra. Mãos ensangüentadas de borracha retiraram o coração e o colocaram na bandeja. Os demais órgãos foram examinados e pesados.

O bisturi afiado riscou a pele começando atrás de uma orelha, circundando o crânio até chegar à outra orelha. Afastaram o couro cabeludo em dois pedaços; serraram o osso e o cérebro, apareceu, pois a dura-máter permaneceu presa à base da tampa craniana. Removeram o órgão perfeito e o colocaram em uma bandeja, ao lado do coração. A pele do rosto foi retirada como uma máscara e a bela mulher se foi.

01 novembro 2009

Murciélagos

A praia, em dias cinzentos, traz monotonia de tons e paz. Observo o dia sem graça e todos os meus pensamentos escorrem pelo meu corpo e penetram a areia úmida e macia. Noto um pequeno barco se aproximar e espero. Entro na água até onde dá pé e observo o barqueiro que rema como quem sabe o que faz. “Quer vir?” - pergunta ele. Digo que sim e, com certa dificuldade, subo no barco arfando. “Vamos do outro lado ver a gruta”, explica o moreno cuja pele mais parece um couro. Eu concordo balançando a cabeça e torcendo o cabelo molhado.

Mal se nota a abertura da gruta no meio da vegetação tropical. Precisamos deitar no barco e esperar uma marola para poder entrar. Depois de algumas tentativas conseguimos. Estou com medo, mas sei que vou gostar.

A pedra é escura cinza por fora e branca por dentro. A parte da gruta que fica no fundo do mar é aberta permitindo que a luz entre por baixo e reflita o azul da água. A sensação é de estar dentro de uma imensa água-marinha. Ouço o som da água pingando, olho para cima e vejo alguns retângulos de veludo enfileirados, presos pelo centro e pendurados nos estalactites. Morcegos. S

Desço do barco agarrando-me às pedras e peço para o barqueiro esperar. Sinto-me desprotegida por estar em traje de banho, tento percorrer uma espécie de trilha com muito cuidado. Estou curiosa. Além do som dos pingos pingando ouço apenas a minha respiração. Busco pela escuridão total, mas ela nunca acontece, sempre há uma luz que vem das águas cristalinas como se não houvesse mais nada que pudesse me surpreender.

Quando finalmente sinto escurecer me assusto e paro. “Quem está aí?” digo eu várias vezes até dois olhos imensos encontram os meus. São olhos apenas. Eu não consigo ver nem sentir nenhum corpo, apenas dois olhos, ora azuis, ora verdes, que se confundem com o azul e o verde que vem da luz do fundo do mar.

Continuo encarando os olhos e uma voz me diz que são os olhos da morte. “Não!” digo eu, “São os olhos do amor!” Sinto os olhos dentro dos meus olhos e sei que aqueles olhos são os olhos do amor. Mergulho no abraço por tempo indefinido.

Preciso voltar.

Agarrada às pedras, percorro a trilha de volta, entro no barco onde o moreno me espera, olho para os retângulos de veludo.

“Murciélagos”, sussurram eles. Suspendo minha respiração para ouvir melhor aquele mantra que ecoa sinistro, um convite para voltar.

O barqueiro rema com habilidade e logo estamos de volta à praia.

A Rosa

Sentir, sonhar sensibilizar.
Sentir o senso suscetível.
Sonhar sentindo a maciez das pétalas nos sentidos
nos sentimentos
nas sensações
que levam a uma outra dimensão do sentir.

A veneziana, que a pouco estava aberta, escancarada, se fecha para trazer a intimidade da sombra ao quarto. Dentro, a cama antiga e os lençóis de linho convidam os corpos nus e quentes do sol lá de fora.

Com a sensação da rosa branca que percorre seu corpo ela se entrega ao momento do sentir e sabe, com cada célula de seu corpo, que sexo é sentir sozinha a sensação do ser. Brinca com a rosa que percorre suavemente a exuberância de suas formas sinuosas, enquanto abre sua alma para a luxúria.

O espelho do guarda roupa, que é o reflexo da imagem da entrega, ajuda a compor a cena. O sol quente da tarde de verão insiste em penetrar pelas frestas da veneziana enquanto os corpos se entrelaçam, lutam, estremecem. O quarto, o lençol, o chão, as paredes e o teto listram listras de claro/escuro.

A rosa, que era botão, começa a se abrir, de certo por causa dos corpos que ardem, rolam de desejo e verão, só de sentir a rosa a tocar os sentidos.

Ela arranca a rosa, que agora é uma intrometida, e a arremessa ao chão.

Cai a rosa sem sentir a sensação do permear de suores, salivas e sais. Os odores, os fluídos e os sabores, os cheiros dos amantes se misturam e o sol insiste em invadir aquela solidão de sentir a dois.

Sozinha no chão, a rosa deixa que suas pétalas se abram e se despreguem da haste uma a uma, lentamente, murchando de pura inveja de não poder sentir o que os corpos molhados sentem nos lençóis de linho da tarde morna.

Morre a rosa sem sentir o que fez com que a outra, suspirando e gemendo, sentisse.

Cubaníssimo

Quem, eu?
Sim. Eu sou cubano.
Nasci em havana, em dezessete do sete de sessenta e sete. Hoje completo trinta e três anos e penso em Jesus quando começou a pregar. Sinto uma necessidade urgente de me expressar e deixar registrada minha experiência de vida, que modestamente considero intensa e interessante. Posso dizer que hoje, começando a vislumbrar os primeiros traços de maturidade, reconheço os caminhos difíceis por onde a inexperiência me fez passar.

Eu sou filho da revolução e, apesar de não concordar com muitas de suas atitudes, posso dizer que devo a Fidel minha educação acadêmica. No entanto, minha formação como pessoa e como homem devo à minha família, ao meu pai e à minha mãe.

Com a revolução, meu avô perdeu todo o patrimônio que demorou quarenta anos para construir, ficando apenas com uma propriedade onde a família vive até hoje. Quando eu era pequeno, podia perceber que os tempos eram difíceis, mas não me lembro de vê-los revoltados e tenho certeza de que nunca os ouvi reclamar. “Meu filho, a nossa pátria é o mundo”, dizia meu pai. “Ame a vida e em tudo o que fizer, faça o melhor”.

Não concordo com os exageros nas condutas e na disciplina do sistema, mas gosto de lembrar dos tempos de estudante, quando todos os meninos com uniformes absolutamente iguais se reuniam no pátio da escola para hastear a bandeira.
Hoje eu sei que na verdade não há igualdade, pois a competição é inerente ao ser humano. Cada menino de uniforme queria ser o melhor e se empenhava para isso.
Tabuada, gramática, história, geografia, música ou esporte, todos tinham a oportunidade de se destacar, mas não pela roupa que estavam vestindo, pelo relógio ou tênis da moda, e sim pela dedicação e capacidade. Quando os valores materiais são subestimados, os verdadeiros valores têm a chance de brilhar. Gosto de lembrar da minha emoção, quando me esforçava para ser o melhor. Ao ganhar tudo perdia o sentido e era hora de recomeçar.

O exagero na disciplina, com o qual já disse que não concordo, gerava medo e repressão. Dependendo da falha cometida, perdiam-se pontos no boletim e às vezes o pai também era castigado. Hoje, esse fato parece uma crueldade, mas naquele tempo estava no contexto, já estávamos acostumados e fazia parte da rotina. A energia era canalizada para outros lados e conseguíamos vencer dificuldades maiores que certamente não venceríamos num regime mais liberal.

O ensino era amplo e aprendíamos de tudo. O currículo escolar era completo e com muitas horas para estudo. Os esportes ajudavam a liberar a tensão e toda aquela energia que se tem numa infância saudável. O atendimento médico e dentário, com acompanhamento periódico, era para todos, sem exceção.

No segundo grau, fizemos a Escola de Campo. Você me diz o quê, e eu digo como plantar: batata, mandioca, feijão, cana, milho, morango. Plantar e colher morangos para exportação era parte do programa. As frutas eram trocadas por produtos de primeira necessidade e não podiam ser comidas. Ninguém conhecia morango. No primeiro dia, foi uma festa! Todos comeram muito até ficar com a língua vermelha. Mas o castigo não tardou: no dia seguinte, uma patrulha de inspeção pedia que os meninos mostrassem a língua e os de língua vermelha foram duramente castigados. Nunca mais comi morangos.

As filas de meninos trabalhando na plantação eram enormes; na frente de cada menino havia uma estaca e as estacas eram unidas por uma corda fina. À medida que as sementes eram plantadas, a um sinal, cada menino fincava a estaca na terra um metro mais adiante. Enquanto me concentro para poder descrever, respiro fundo, sinto o cheiro da terra e do suor e ouço o sinal: yuuiiii! E a fila de meninos com estacas seguia adiante mais um metro de campo semeado. Era duro, mas havia beleza e poesia naquele trabalho comunitário. Hoje eu entendo a importância de se aprender o valor da terra e dos frutos que ela pode dar.

Sou engenheiro eletricista e, por ter escolhido a carreira certa, quando peguei meu diploma, queria minha profissão. No entanto, depois de formado, quando passei mais dois anos totalmente afastado da cidade trabalhando para o governo para pagar meus estudos, foi que completei minha educação aprendendo com a sabedoria das pessoas do campo.
Hoje não me falta trabalho e procuro não recusar.

Um dia eu vou levar você para Cuba, você vai adorar minha gente e depois você me leva para o Brasil. Por você, eu já sei que vou gostar.

Quando você sentir saudades de mim, olhe para a lua, cheia, de preferência, e nos contornos de cinza e prata sabrás que te quiero, mi amor.

Miami que Eu Gosto

agonia, arrependimento, bravura, banzo, calma, confiança, curiosidade, deslumbramento, desespero, entusiasmo, exaustão, felicidade, gratidão, horror, incompetência, impotência, julgamento, lucidez, merda, americano é um saco, nacionalismo, otimismo, ousadia, puta que o pariu quanto cubano, questionamento, relutância, solidão, tristeza, universalidade, vazio, xamanismo, zelo, zona, zorra, zumbido, zumzumzum...

O abecedário inteiro, repetido várias vezes, não é suficiente para classificar tudo o que se sente morando em terras estrangeiras. Pelo menos no meu caso. Às vezes eu sentava na rua e chorava, às vezes eu ficava tão eufórica que achava que estava vivendo um filme, às vezes eu queria morrer. Depois, passei a me sentir culpada por não estar feliz num lugar tão lindo e organizado. As inevitáveis mudanças aconteciam e eu me sentia como uma grande árvore que havia sido arrancada do solo e era levada daqui e de lá, sacudindo suas ramas e deixando que suas raízes se ferissem sem a proteção da terra.
Demorou muito tempo para saber se gostava ou não e mais ainda para achar que estava tudo bem. Quando comecei a entender o processo, já era hora de voltar.

Miami, cidade de que aprendi a gostar.

19 outubro 2009

Carta de um Suicida

Não quero perdão, quero respeito pela minha escolha. Não se sintam culpados, foi a maneira mais justa que encontrei. Sei que terão muito trabalho para limpar tudo, mas será bem menos do que me agüentar por mais um tempo. A velhice é longa e cara.

O que me preocupa é o fato de vocês não estarem preparadas para enfrentar o falatório depois. Caso eu esteja certo, mintam. Inventem uma história comovente e acreditem nela. A gente sempre acaba acreditando nas nossas mentiras. A morte faz parte da vida, mas as pessoas insistem em não aceitar, principalmente quando o sujeito decide, ele mesmo, a hora de partir.

Não sei se esse ato extremo e trágico foi resultado de súbita coragem ou premeditada covardia. Não sei o que vem depois, não sei nada. Não sabemos nada, essa é a verdade. Não gastem muito com caixão, flores, essas coisas. Doem tudo que puder ser aproveitado do meu corpo e cremem o que sobrar. A cerimônia é bonita e vocês podem escolher algumas músicas que eu gosto.

Vocês se lembram do dia em que ganhei aquele prêmio de literatura? Eu estava feliz, elegante, realizado, vocês comigo, as pessoas me cumprimentando... Lembrem de mim assim. È tudo o que eu quero.

Carta de um Suicida

Não quero perdão, quero respeito pela minha escolha. Não se sintam culpados, foi a maneira mais justa que encontrei. Sei que terão muito trabalho para limpar tudo, mas será bem menos do que me agüentar por mais um tempo. A velhice é longa e cara.

O que me preocupa é o fato de vocês não estarem preparadas para enfrentar o falatório depois. Caso eu esteja certo, mintam. Inventem uma história comovente e acreditem nela. A gente sempre acaba acreditando nas nossas mentiras. A morte faz parte da vida, mas as pessoas insistem em não aceitar, principalmente quando o sujeito decide, ele mesmo, a hora de partir.

Não sei se esse ato extremo e trágico foi resultado de súbita coragem ou premeditada covardia. Não sei o que vem depois, não sei nada. Não sabemos nada, essa é a verdade. Não gastem muito com caixão, flores, essas coisas. Doem tudo que puder ser aproveitado do meu corpo e cremem o que sobrar. A cerimônia é bonita e vocês podem escolher algumas músicas que eu gosto.

Vocês se lembram do dia em que ganhei aquele prêmio de literatura? Eu estava feliz, elegante, realizado, vocês comigo, as pessoas me cumprimentando... Lembrem de mim assim. È tudo o que eu quero.

Sexta-feira

Anda , menina, vá se vestir que nós vamos sair. Não vá me por aqueles tênis horrorosos. Se arrume direito que nós vamos à igreja. Vamos logo depois do almoço. Comprei filé de peixe na feira porque hoje não pode comer carne. Amad! desligue o rádio, tenha um pouco de respeito. Eu sei que você quer ouvir as notícias, mas acho melhor só ler o jornal. Quando o almoço estiver pronto eu chamo. Você pode dormir de tarde, se quiser, eu vou sair com Alexandra e à noite podemos ir comer pizza, de mussarela. Calabreza não, que é carne.

Alex, não demore. Vou esquentando o carro e espero você. Vamos na Imaculada primeiro, depois na São Gabriel e , se der, vamos ver a procissão em Vila Mariana.

Vem, dá a mão para a mamãe, não tenha medo. O caixão de vidro? È Jesus morto, coitadinho. È só uma estátua, não precisa se assustar. Você faz o sinal da cruz, pede perdão pelos seus pecados e pronto. Vamos entrar na fila. Está vendo aqueles panos roxos cobrindo os santos? Então, é sinal de luto. Lembra quando o tio Sadih morreu que a tia Louris só usava preto? O preto e o roxo são cores do luto, querem dizer que você está triste porque alguém morreu.

Não, ninguém enfiou uma faca no coração de Nossa Senhora. Ela está assim para mostrar que está sofrendo muito porque Jesus morreu. Como se tivessem enfiado uma faca no coração dela. Aquele é São Sebastião, ele foi um mártir. Mártir é quem morre por defender uma causa, ele era soldado e defendia os cristãos, em vez de matá-los. È . São flechas. Sim, faziam maldades com os cristãos. Vamos, a fila está andando. Fica tudo escuro porque hoje é um dia triste, é o velório de Jesus. Velório vem de vela, por isso todo mundo acende vela.

Eu não vou morrer agora, filha, nem seu pai. Vai demorar muito ainda. Não , você não precisa ver nenhum defunto , você ainda é pequena. Depois não tem nada de mais, parece que a pessoa está dormindo.

Já está na hora da procissão passar, é bonito, as pessoas cantam, levam os símbolos da Igreja, rezam. Porque as mulheres usam véu? Por respeito: as casadas usam véu preto e as solteiras usam véu branco, como a Virgem Maria. Você é criança, usa véu branco. O que é virgem? Pára de fazer tantas perguntas, menina, depois eu explico.

Você está chorando? Não chora, a mamãe está aqui. È bonito ver a procissão, as crianças vestidas de anjos, a banda tocando. Está tremendo, está pálida... Não olha então, está acabando. Já vamos para casa.

13 outubro 2009

O Parto

- Quer ver a menina? Ela é perfeita.
- Quero dormir, tire ela daqui! Não quero ver ninguém... - respondeu Rilda com voz pastosa por causa do clorofórmio.

Alexandra nasceu na segunda-feira às 7:30 da manhã, sentada, azulada, enrolada no cordão umbilical, pesando pouco mais de um quilo e meio. Custou a chorar. Quando a enfermeira trouxe a criança no quarto, toda enrolada em flanelas, só se via um tufo de cabelo preto e encaracolado encimando o pacote cor de rosa. Amad a recebeu de braços abertos, cantarolou e dançou com a menina no colo. Depois, colocou-a na cama e a despiu. Encantado com aquela criaturinha arroxeada, examinou os dedinhos de pé, da mão e a vestiu novamente com habilidade. Sacudiu Rilda para que acordasse e visse a filha que acabara de nascer.

Foram para a maternidade no domingo à tarde. Rilda, nervosa, sentia-se gorda de tanta cerveja preta e canjica que fora forçada a tomar durante a gravidez; andava mal por causa da barriga e odiava arrastar os chinelos sem salto. Que pelo menos fosse um menino, para compensar tanto desconforto e os quinze anos sem filhos. Amad estava eufórico: iria ser pai, depois de quarenta anos bem vividos numa vida de jogador e moleque. Com cuidado, a acomodou no carro e a levou para a maternidade, onde o Instituto dos Bancários tinha convênio.

Muito reservada, Rilda estava contrariada em se expor para as enfermeiras nos preparativos do parto. A bolsa rompeu, ela fez força e o bebê, em vez de sair, entrou e virou. O médico, que auscultava os batimentos dela e da criança, percebeu que havia risco para ambas. Decidiu fazer uma episiotomia e tirar o bebê a fórceps altos.

As enfermeiras deixaram a que mãe descansasse até a hora de dar de mamar. Achando que o parto já fosse martírio suficiente, Rilda não fazia idéia do que seria amamentar: o peito sangrava e vertia leite a menina berrava, não conseguia, a boca era pequena e a fome desesperadora. A solução foi buscar leite de ama na Santa Casa. Naquele tempo havia um banco de leite e as amas ficavam numa sala onde havia uma placa “ Ordenha”. Estranho. Durante um ano Rilda cumpriu esse ritual indo, todos os dias, buscar as garrafinhas de leite.

Do hall da maternidade, Amad deu vários telefonemas para avisar às pessoas que Alexandra havia nascido. Depois foi aos jornais colocar o anúncio na sessão de nascimentos e registrar a filha no cartório. Íris veio ficar com a irmã e disfarçou a decepção; como os outros parentes, esperava um menino grande, forte, loiro e de olhos azuis. Tentou animar a irmã dizendo que o dia estava lindo, que a criança era saudável, melhor que fosse mulher, pois seria companheira. Vieram algumas visitas, mas Rilda as ignorou. No dia de ir para casa estava pálida, com medo de enfrentar as responsabilidades de esposa, de filha e, agora, de mãe.

Inexperiente, tentava parecer forte e segura. Quando cometia um erro, não dormia de remorso. Um dia, um acidente: ao sair da Santa Casa e entrar no carro derrubou a cesta com as mamadeiras. Tremia ao ver o leite da pobre ama escorrendo na calçada. Rilda se incomodava com as orelhas de abano da menina e achou que colocando esparadrapo poderia resolver o problema; depois de uns dias, na hora de tirar, a pele veio junto, mas as orelhas ficaram no lugar. As calças plásticas, novidade pós guerra, cozinhavam a pele fina; tudo era difícil, a menina não queria comer, quando comia, engasgava. Era um ser delicado, mas vingou.

Aos dois meses Alex estava fortinha, Rilda achou que podia respirar. Ledo engano! Ermenegildo, seu pai, tem uma morte sofrida depois de anos de invalidez e desatinos, seqüelas de um AVC. Olga, viúva e de luto, fica sabendo que tem câncer. O escritório de Amad pega fogo e o prejuízo foi enorme. Rilda arrasada, tentou trazer um pouco de luz ao ambiente sombrio e inventou um luto vestindo-se de branco. Achava que não faria bem para a criança olhar para as pessoas de preto à sua volta. A preocupação maior era tornar aquele ser mínimo, que dependia totalmente dela, uma pessoa educada, independente e responsável. A vida era muito dura, mas sua filha seria forte, mais forte do que ela se esforçava ser.

Alex andou cedo, falou cedo e logo tirou as fraldas. Alegrava a casa, entendia tudo que sua avó lhe falava em italiano, desafiava as ordens da mãe e brincava com o pai. Era uma menininha pequena no meio de adultos e com dois anos foi para o que seria hoje uma escolinha maternal. Foi bom para ela, que pode conviver com outras crianças e sair do ambiente pesado de casa.

Ao ver os seios de Olga mutilados em uma bandeja cirúrgica, Rilda desmaiou. Via a vida de sua mãe se esvair e o pouco alívio vinha das injeções verdes de morfina. Era preciso que alguém em casa aprendesse a aplicá-las e Amad se prontificou. Praticou no papo da galinha, fez uma sujeirada na cozinha, depois tentou numa laranja. Dina chorava de dor e ele teve de arriscar. Deu certo. Passou a fazer essa tarefa muito melhor do que o esperado. Ambos tinham senso de humor e se queriam bem.

No seu aniversário de quatro anos Alex foi mostrar o vestido novo para a avó que mal podia abrir os olhos. Dois ou três dias depois, a imagem do corpo sendo velado em cima da mesa na sala de jantar lhe assombrou os sonhos durante anos.Rilda sofreu as perdas, mas fez questão de não demonstrar. Amad sentiu a responsabilidade de ser pai, não queria que sua menina crescesse vendo os agiotas na porta a cobrar dívidas de jogo. Dedicou-se ao seu trabalho no banco, deixou de jogar e abriu uma camisaria como segunda fonte de renda. Rilda o apoiava em tudo, eram parceiros, amantes e ...pais. Bons pais.

Preciso Morrer

Os médicos que vem durante a noite não me deixam dormir. São tão atenciosos, todos de branco, parecem anjos. Pena que não entendem que eu quero descansar. Tantos remédios me viram o estômago, perdi o paladar; o que talvez me apetecesse, não me dão e eu tenho horror de galinha, só o cheiro me faz mal. Culpa de minha mãe que me obrigava a limpar, escaldar e depenar. Hum...que asco!

Essa menina é a pior acompanhante, dorme feito uma pedra, nem me ouve chamar. Minha filha não puxou a mim que posso passar a noite em claro com duas ou três xícaras de café. Coitada, hoje conversou tanto, mas seus olhos assustados olhavam para todo lado, menos nos meus olhos. Eu amo tanto essa menina. Pensa que me engana com os diagnósticos que inventa a cada exame e acha que eu não entendi que a cirurgia foi em vão: abriram e fecharam, agora é só esperar.

Aquele túnel que eu vi na UTI foi um aviso, eu não queria voltar.

Estou cansada. Hoje quando veio o chá, não consegui levantar a xícara e levar até a boca. Minha mão tremia, o braço pesava, eu perdia o controle. Não tenho mais dignidade, nem autonomia. Detesto quando eles entram aqui e me invadem como quem enfia a mão em um saco de batatas, reviram as cobertas, me desnudam, esquecem que tenho pudor . Falam comigo com uma voz forçada como se eu fosse uma débil mental.Fecho os olhos aperto os punhos e entrego tudo a Deus, ele sabe o que faz.

Vou tentar ir ao banheiro. Se eu não conseguir, é porque preciso morrer.

15 setembro 2009

Estado de Coma

Finalmente o silêncio. Deveria ser a paz perseguida por vias equivocadas desde o primeiro momento em que se deu conta que existia. Na casa, era praticamente invisível, ninguém tinha tempo para o mais novo de cinco irmãos que dormia de manhã e navegava à noite, mastigando salgadinhos de gordura saturada e bebendo açúcar gaseificado direto do gargalo. Suas mãos sujas sapateavam no teclado e se esgueiravam das mangas encardidas do moleton cujo capuz cobria o boné cheirando a cabelo ensebado.

Velozes na madrugada, os carros virtuais faziam curvas perfeitas, o sincronismo da troca de marchas emitia o ruído certo, abafado pelos fones de ouvido, ele tremia de prazer. O coração, às vezes, disparava e ele se sentia mal, vomitava. Era o açúcar e a cafeína. Descia e esquentava no microondas os restos do jantar que fazia questão de não participar, comia na sala, no escuro, vendo televisão sozinho.

Sábado à noite, ninguém em casa; na garagem, o carro pai esfriava o motor e estalava, aquietando-se no repouso. Ele entrou, a chave estava no contato, virou e ligou o som. O painel eletrônico o hipnotizou e ele ficou ali, em comunhão total com a máquina. De um sobressalto, ajeitou-se no banco, engatou a ré e saiu primeiro devagar, depois, vendo que podia, ganhou velocidade e se atreveu a deslizar nas avenidas vazias. Pegou a marginal e acelerou. Voava livre, rindo alto. Não viu que a pista bifurcava e se transformava em viaduto, continuou em frente, bateu na amurada de cimento, virou no ar.

01 setembro 2009

Sou a favor de cachorros eletrônicos

Acho o Nitendogs ótimo: você escolhe seu filhote, cuida dele, dá comida, treina, leva passear e até faz festinha, tudo virtualmente. Extrapola seu desejo reprimido de ter um animal de estimação, compra brinquedinhos, coleirinhas, roupinhas e outros mimos. Fantasia o cachorrinho do jeito que você bem entender e a única pessoa que vê é você. Pode também suprir suas carências fazendo todos os bilubilus que tem direito, com voz infantil e caretas e ninguém vai pensar que você pirou.

Sou totalmente a favor de cachorros eletrônicos porque detesto ser arrastada e conduzida por caminhos que não quero. Além disso, com os vituais, não passo pela humilhação de sair pela rua com saquinho plástico a catar seus dejectos.

Já tive vários cachorrinhos de verdade que me deram muito amor. Agora, só virtuais.

19 agosto 2009

Eu não pude ir a Woodstock

Estava fazendo enxoval e provando o vestido de noiva. Tudo branco. Mas juro que eu gostaria de ter estado lá, fumando maconha, tomando ácido e fazendo amor. Se o mundo não mudasse seria por minha culpa, burguesinha alienada, sonhando com alguém que me fizesse feliz. Seria porque eu achava melhor não saber de nada, não tomar pílula e não protestar. Meus protestos reapareceram depois, com validade vencida, fora de hora e lugar.

Quarenta anos depois e ainda sinto uma enorme atração pelo evento do qual não participei. Gosto de ver as fotos, de saber o que aconteceu com as pessoas naquele espírito de paz e amor que, dizem, ainda está impregando no solo e na grama que cresce. Adubada com os fluídos corporais e resíduos dos que estiveram lá, a vegetação é verde, o céu azul, cenário perfeito para os que buscam inspiração por ali.

Woodstock: Liberdade. Hair, Hare Krishna, O despertar da Era de Aquarius. Um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones. E se você for a São Francisco, não se esqueça de colocar flores no cabelo, você vai encontrar o pessoal por lá.

Que pena que eu não fui.

16 julho 2009

24 HORAS

Celular toca às sete horas, às sete e cinco, e dez, e quinze. Ele levanta zonzo, vai até a cozinha, enche a panelinha de água, bebe um gole da torneira, acende o fogo. Foram três tentativas antes de atirar a caixa de fósforos pela janela; procura outra caixa na gaveta cheia de coisas, queima a mão, xinga, consegue fazer café. Toma pelando, fazendo ruído com a boca.
A água está gelada, que saco, melhor assim eu acordo, acabou o xampu, não vou fazer a barba, já estou atrasado. Veste a roupa com o corpo molhado, a meia não entra, o sapato está sujo, vai assim mesmo.

Na rua, uma névoa de poluição, não faz calor, nem frio, mais um dia como outro qualquer. Coloca os fones no ouvido, aumenta o som, se ficar surdo, foda-se. No ônibus, uma mulher bonita, com cabelos ainda úmidos cheirando a perfume bom. Trânsito dos infernos.
Entra no edifício de cabeça baixa, passa o crachá na catraca, espera o elevador. Não cumprimente ninguém, troca os fones pelos da empresa e começa a transcrever mais um relatório médico, dessa vez de um cardiologista, não conhece bem o vocabulário, terá de pesquisar.
Toma café. Na hora do almoço sai, compra coxinha e coca-cola, sorvete de casquinha do MacDonald, um real e cinqüenta; passa na banca e volta aos relatórios enfadonhos. Tecla com a namorada e os amigos no Messenger, responde e-mails, mais relatórios. Esse médico é fanhoso, o infeliz.

Vai para a escola, dorme não presta atenção. Volta para casa com frio e com fome, pega a pizza empenada de tão fria, mastiga com uma cerveja choca. Liga a televisão, dorme no sofá. Acorda com frio, tira a roupa, se enfia nas cobertas.

Celular toca às sete horas, às sete e cinco, e dez, e quinze...

07 junho 2009

A Morte de Rilda

Rilda estava bela no seu leito de morte. Finalmente seu rosto de porcelana transmitia paz. Talvez por não querer passar pela velhice, desistira da vida enquanto ainda era bonita, jovial e atraente. Depois de ver tanto sofrimento, Alexandra, a única filha, não sabia se o que sentia naquele momento era alívio ou dor. Jamais presenciara o instante da morte e, ao ver o último suspiro, entorpeceu-se. Lembrou-se do desejo da mãe que pedia que a envolvessem em um lençol de linho e fechassem o caixão; pensou em fazer aquele último desejo, mas logo descartou a possibilidade. Algumas horas antes, concordara com o médico que a única coisa a fazer era deixar que sua mãe dormisse para sempre. Chorou muito por autocomplacência, por pensar que iria perder uma parte de si. As duas haviam se despedido em um átimo de profundo amor dizendo apenas “eu te amo”.

Com trinta e poucos anos, Alexandra sentiu-se só. Nunca mais diria “mãe”. O comportamento de filha malcriada e birrenta também seria enterrado e ela assumiria a linha de frente. Viu-se caminhando no corredor do hospital, sem ninguém por perto, sentiu-se forte e mulher.

O dia amanheceu rapidamente, cinzento, triste, com uma chuva torrencial. As pessoas foram chegando, sinceras em seu pesar, agrupando-se por afinidades: parentes queridos, amigos do clube, o grupo das aulas de tango, os amigos de Alexandra e seu marido. Tanta gente amava aquela mulher alegre, dinâmica, sempre disposta e interessada. Muitos choraram sua morte. “Uma pena” - diziam. O câncer havia chegado sem avisar e, quando Rilda sentiu os primeiros sintomas, as metástases já haviam se espalhado por todo seu belo corpo. Enjôos, dores no estômago, uma cirurgia inútil, dois dias de UTI e não conseguira mais ficar de pé sozinha. Quando não pode sequer erguer a xícara de café com leite, entregou-se.

No cemitério, a chuva lavava com vontade as lápides, as capelas, os mausoléus e os mármores e bronzes. Os guarda-chuvas escuros perambulavam nas alamedas estreitas, as mesmas que Rilda percorrera tantas vezes para levar flores a seus mortos.

Ir ao cemitério era um ritual cumprido pelas três irmãs: Rilda, Vicenza e Íris. Sempre levavam Alexandra, pequena, para que se acostumasse e não tivesse medo; sua tarefa era repor as flores frescas no vaso. Lavavam a capela, trocavam as toalhinhas bordadas, rezavam, faziam o sinal da cruz e iam embora conversando em italiano. Alexandra, saltitante, contava anjinhos de pedra e fazia perguntas. Rilda dizia que depois que as três morressem ninguém mais iria cuidar da capela. Naquele tempo, o cemitério andava muito descuidado pela administração, era perigoso andar por lá. Todas ficaram horrorizadas quando souberam que violavam túmulos para procurar dentes de ouro nas ossadas e só acreditaram porque o fato ocorreu com os restos mortais de uma tia distante, pobre coitada. A menina ficou impressionada, tinha pesadelos no meio da noite e acordava gritando de medo.

Como era costume na família, só os homens foram ao enterro. Uma procissão de guarda-chuvas pretos, o genro, os sobrinhos e o neto segurando o caixão, a tristeza.

Alexandra chorou muito. Quando foi marcar a missa de sétimo dia na igreja em que a mãe freqüentava, acertou os detalhes, escolheu as músicas e descobriu que a missa individual custava praticamente o dobro da missa comunitária. Porém, a secretária na sacristia garantiu que para a alma da pessoa falecida o benefício era o mesmo. Se o benefício era o mesmo porque ter dois preços de missa? Enfim, fez o que sua mãe faria: optou pela missa individual, preencheu um cheque, incluindo os honorários do organista, e saiu. No dia marcado, a igreja estava repleta de pessoas profundamente consternadas. No silêncio entre uma música e outra, a dor da perda pesava no ar.

05 junho 2009

Cascuda...

… e asquerosa, lá estava ela parada no cano da torneira da pia. Era grande, repugnante, a desgraçada, com antenas duas vezes seu tamanho tateando o cano enferrujado. Suas asas pardas se entreabriam e fechavam em um movimento lento e nojento, parecia que ia voar.Zé pegou a vassoura, escorregou o pé para fora do chinelo, se abaixou e o empunhou como uma segunda arma de defesa.

E a barata lá, só mexendo as antenas. Zé optou pelo chinelo, desferiu um golpe certeiro e a bicha caiu de costas na pia. Ficou imóvel por uns segundos, mas depois começou a mexer as pernas tentando desvirar. Conseguiu! A chinelada não fez efeito e ela saiu lépida entrando atrás do quadrinho do Sagrado Coração de Jesus.

Zé largou a vassoura e foi procurar um inseticida. Derrubou tudo o que estava na prateleira, pegou o aerosol e mirou no quadro, apertando o pino como quem aperta o gatilho de uma arma assassina. O líquido formou um névoa e depois escorreu pelo quadro. “Agora eu matei!”, pensou ele.

Continuou sua rotina, limpou a sujeira, guardou a bagunça, lavou bem as mãos e disse bom dia a um freguês que acabava de entrar. Cafezinho carioca com espuma de leite, um copo de água sem gelo e um pão de queijo. Pão de queijo não tinha, foi pão de batata. Começaram a conversar sobre o calor, o trânsito, nada de mais. O sujeito era amável e Zé, que estava gostando do papo, serviu a água e em seguida colocou no balcão o café e o pão em um pratinho. O freguês começou a fazer perguntas sobre a coleção de xícaras de café, Zé se distraiu e, quando bateu o olho no balcão, viu a baratona em cima do pão de batata. Putz grila! Ficou sem ação.

O freguês, que estava de costas, continuou falando. E agora? Cadê a vassoura? Estava longe. E o chinelo? Era a sua chance. Sorrindo fez uma espécie de reverência, pegou o chinelo e tacou na barata por cima do ombro do freguês. Ela fugiu de novo. Filhadaputa! E agora ele havia ficado mal com o simpático cliente que provavelmente jamais voltaria a café.

[conto sobre a "angústia"]

A Carta

Meu pai,

Lembro bem do dia em que o senhor foi embora naquele barco sem dizer palavra, sem nem sequer me olhar nos olhos da gente. Por respeito, e por minha mãe, coitada, que ficou parada feito uma estátua de pau, eu também não disse nada. Meu irmão ainda falou, o senhor olhou para ele, bem nos olhos e eu fiquei ali, sem merecer um olhar. Por anos pensei o que foi que eu fiz.
Nunca entendi, ninguém entendeu.

O tempo foi passando, a gente foi crescendo, a mãe envelhecendo e aquele vazio no meio da casa. Aprendi a viver calada, também. Com tanta coisa que passava pela minha cabeça, tinha dia que parecia que aquela vida não existia, que eu não exitia. Quem não existia mais era o homem de palavra, que cuidava da gente, que trazia comida e dizia como as coisas tinham de ser. O senhor não pensou na gente, pai. Virou um morto sem ter morrido, sempre presente, sem estar lá. E eu que sempre achei que um dia ia voltar.

Eu não arrumava namorado, tinha medo que os homens fugissem de mim. Aí a mãe disse que se eu não resolvesse, depois não ia dar mais, que filho a gente tem logo, enquanto é forte, então eu casei. Moço bom, trabalhador, gosta de mim, mas eu não gosto dele. Respeito, mas não sinto amor, não sei gostar. Desde o primeiro dia, acordo antes que ele com medo de abrir os olhos e ele não estar lá. Mas ele sempre está; acorda logo depois, tomamos café, ele conversa e eu escuto.

Embarriguei, meu marido gostou de ter um menino homem. Quase morri para ele nascer. Quando passou o resguardo, a gente foi na beira do rio mostrar o menino para o senhor. Chamamos, eu levantei ele para o céu, que era para o rio poder ver, para o senhor poder ver, mas o senhor não viu. Nesse dia, pai, meu coração doeu, senti uma coisa como se uma vara fina tivesse me atravessado o peito e eu me atirei no rio com o menino no colo, o pobrezinho nem chorou.

A correnteza levava a gente, estava forte aquele dia e eu, sem largar o menino, fui parar na margem, minha roupa engastalhou nos galhos e meu marido salvou a gente. O menino tremia, boquinha roxa, quietinho. Nunca mais acreditei que um dia o senhor existiu.

Escrevo essa carta porque seu fantasma ainda me atormenta e se o senhor é de palavra, eu sou de escrita. Vou colocar essa carta no rio, sei que o senhor vai ler. Vou para longe, nunca mais eu volto, nunca mais olho para esse rio.

[Inspirado no conto A Terceira Margem, Guimarães Rosa]

Torcida organizada: ora vejam!

Quando eu digo que não me interesso mais por esportes as pessoas ficam chocadas. Esporte é tão saudável, tão importante para a formação de uma criança! Será?

Como poderia me interessar por essa coisa que mais parece um jogo tirado de filme de ficção científica? Os atletas viram humanóides, cheios de tecnologia e química para disputar milésimos de segundos em nome da logomarca de uma grande corporação. Os jogadores de futebol são um saco de dinheiro ambulante, a correr em uma arena verde e retangular, tentando estratégias estudadas por um técnico, que nem sempre sabe o que está fazendo. Ganham tanto dinheiro e todos fazem a mesma coisa: uma mulher loira (geralmente casam em castelos), uma casa enorme cafona com tv de plasma, mesa de bilhar, churrasqueria e todos os intrumentos musicais possíveis para um bom pagode. Nada contra. Cada um sabe de si. Eu só não consigo me interessar, que dirá gostar.

E as torcidas? O que é aquilo? Vandalismo, matança? Nas guerras de verdade, os soldados são treinados desde pequenos, com jogos eletrônicos, a atirar para matar de brincadeira. Depois, é apenas uma questão do preço do brinquedo. Se é de verdade ou não, não importa. A mil quilômetros de distância, quem sente que está dizimando uma aldeia inteira? Ao ver torcidas desvairadas, tenho certeza de que o homem sente falta da carnificina de verdade, do confronto homem a homem, corpo a corpo. Aí, dá no que dá. Um horror!

21 maio 2009

Analfabetos no Metrô de São Paulo

VAI ESPERAR O PRÓXIMO TREM?
ENTÃO DÊ PASSAGEM PARA QUEM VAI EMBARCAR.

A senhora gorda com um grande saco de lixo cheio, pousado ao seu lado, e um monte de sacolas na mão não vai embarcar no próximo trem porque está tentando achar algum papelzinho na carteria, mas fica parada bem no meio do caminho atrapalhando o povo que quer entrar.

ANTES DE ENTRAR NO TREM, DEIXE AS PESSOAS SAÍREM.

E as tribos se confrontam: os de fora querem entrar e os de dentro querem sair ao mesmo tempo. Ninguém cede, ninguém entra, ninguém sai.

CUIDADO COM O VÃO ENTRE O TREM E A PLATAFORMA

A moça com uma bota de doze centímetros de plataforma entala o pé. Gritaria, pára tudo, puxa... Saiu!

SE VOCÊ NÃO DESCER, DEIXE A PORTA LIVRE

E o rapaz se encosta entre a porta e primeiro banco como se fosse o homem invisível. Só ele acha que não está na porta. Leva um pisão, quase esmagam seu pé 44. Pudera!

ASSENTO ESPECIALEMTE RESERVADO PARA:
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA
GESTANTES
PESSOAS COM CRIANÇAS DE COLO
IDOSOS

Em um assento especialmente reservado está um jovem alto e forte fingindo que está dormindo, com Ipod no último volume. Em um assento especialmente reservado, e duplo, um casal se beija loucamente.

CARREGUE SUA MOCHILA NA PARTE DA FRENTE DO CORPO PARA NÃO ATRAPALHAR OS OUTROS PASSAGEIROS

O jovem caramujo, que leva sua casa nas costas, se vira abruptamente e quae deurruba uma senhora que vai descer na proxima estação.

EVITE ACIDENTES NA ESCADA ROLANTE

Um menino desce a escada que sobe e o irmão sobe na escada que desce. Gritam feito loucos. A mãe não fala nada.

MANTENHA A DIREITA
DEIXE O LADO ESQUERDO LIVRE PARA QUEM ESTÁ COM PRESSA

O homem bem vestido sobe a escada rolante do lado esquerdo e nem percebe que bloqueia a passagem dos que tem pressa porque está dizendo palavrões ao celular. Parece que é assunto de trabalho.

O metrô está poluído com tantos avisos e ninguém lê. tenho vontade de colocar um colete luminoso eficar explicando para as pessoas. Depois, acho que não valeria a pena.

Mulher Mutilada

Olhou-se no espelho do banheiro com as duas mãos aparando os seios. Erguendo-os um pouco e avaliando as formas redondas como se fossem duas frutas maduras, achou que ainda estavam pequenos e caídos. – Semana que vem, - pensou. Ficou de perfil contraindo os glúteos, depois relaxou o abdome inclinado os quadris para frente. Nem dava para ver a cicatriz. Levantou os cabelos bem no alto da cabeça e achou-se bela. Belíssima! Todos os dias, após duas horas de exercícios com seu personal, sentia-se assim, como se ainda tivesse trinta anos. Era terça-feira, dia de ira ao tinturista retocar a raiz e depois fazer hidratação.
Depois do chuveiro, iniciou o ritual dos quatro cremes: primeiro o dos pés, depois o das pernas e dos braços, a seguir o da barriga e seios e, por fim, pescoço e rosto. Uma camada de filtro solar 50, brilho labial, nuvem de perfume.
Andou nua até o closet, escolheu lingerie de seda combinando com a roupa de griffe. Vestiu sapatos italianos ( só usava sapatos italianos) e pegou uma bolsa, qualquer uma, desde que custasse, no mínimo, o preço de um carro velho.
Saiu com o celular entre a orelha e o ombro, chaves na mão. Entrou no carro, jogou a bolsa no banco de trás, trancou as portas blindadas e ligou o ar condicionado. Tomaria um suco com adoçante no cabeleireiro, depois iria ao psiquiatra.
Sentada em frente do homem grisalho vomitava frases feitas, cruzava e descruzava as pernas, desenhava amplos círculos no ar com os braços longos e finos. Depois de cinqüenta minutos o homem grisalho perguntou:
- Vai querer continuar com a mesma dose de Prozac?

19 maio 2009

Lirios

BASEADO NO CONTO DE ADRIANA FALCÃO
Ali, deitada, divagou:
se fosse eu,
Teria escolhido lírios.

Morrera de repente. Fora um ataque fulminante do coração, era o que diziam os parentes em volta do caixão, enfeitado com rosas cor de rosa. Os cabelos cacheados e abundantes emolduravam o rosto. Sua pele fina estava transparente na testa e mal cobria os vasos azulados. Os lábios ressecados e entreabertos davam a impressão de que a bela mulher sorria, como se não soubesse que tinha morrido. As mãos sobre o peito seguravam um terço de cristal. As pessoas estavam chocadas, não choravam, não faziam comentários e nem rezavam, apenas velavam o corpo da defunta, em total silêncio.
No meio da manhã, chegou o marido segurando a filhinha de cinco anos pelas mãos e as pessoas ficaram chocadas:
- Pobrezinha! Não deviam ter trazido essa criança, podeficar traumatizada.
– Elas sempre ficam traumatizadas. Eu também fiquei, e já era moça feita! - disse a tia avó, lembrando de sua mãe falecida havia mais de quarenta anos.
- Ela quis vir, disse o pai. – Queria entender o que acontece quando as pessoas morrem e eu achei melhor ela vir, ver a mãe e se despedir.
Segurando a menina no colo, o pai tentava explicar, com carinho, os mistérios da vida e da morte. Difícil para ele, mas a menina entendeu. Olhava para a mãe com os olhos bem arregalados, se atinha aos detalhes, olhava para o pai e não dizia nada. Pediu para descer; o pai a colocou no chão e ela saiu correndo para o corredor, entrando, a seguir, na sala ao lado, onde havia outro velório. Ficou parada na entrada, observando e logo voltou para perto do pai.
A hora do enterro se aproximava, as pessoas iam chegando sem saber o que dizer, nem como agir; cumprimentavam o pai, faziam um carinho na menina agarrada às pernas dele, chegavam perto do caixão e faziam o sinal da cruz.
Lá fora, um movimento: o carro funerário havia chegado e dois funcionários de roupa caqui entraram com um papel na mão. Pegaram a tampa do caixão que estava encostada na parede e foi então que a menina disse:
- Vão levar a mamãe? Eu nunca mais vou ver ela? Quero ver de novo, quero dar tchau para a mamãe, posso? Me segura no colo papai, quero ver.
O pai a ergueu e a abraçou com força. A menina jogou um beijo e deu adeus com a mãozinha. Enquanto atarraxavam os parafusos ela disse:
- A mamãe me disse que gostava de lírios.

28 março 2009

Fulis

Ele é um ser do bem, mas não um ser do bem careta, tradicional como anjos celestiais e fadas-madrinhas. Ele tem seu próprio jeito de ser, de fazer as pessoas felizes, nem que seja por alguns instantes.

Sua aparência é acolhedora e só de olhar para ele já dá vontade de falar um monte de palavras inventadas como: cuticuti, tibubuca, pitututuchi e outras, que surgem na hora que a gente se depara com ele.

Os machos têm um tom acinzentado e suas antenas são maiores. Como a maioria dos machos do reino animal, ele tem que sair em busca de alimentos para seus filhotes. As antenas são uma espécie de radar, sempre em movimento , captando cheiros e sons. A fêmea é praticamente cor de rosa, seu corpo é mais robusto e suas antenas são menores. Seus olhos são maiores, mas tanto os machos quanto as fêmeas conseguem enxergar no escuro. Elas dominam o território chocam os ovos e cuidam dos filhotes. Os fulis se alimentam de flores pequenas, farelos de tudo o que é delicioso, pedacinhos mínimos de frutas, folhas adocicadas e só bebem água fresca e limpa.

Fulis vivem em esconderijos, pois tem medo de cachorros e gatos. Às vezes se aproximam dos humanos, mas gostam mesmo é de crianças e jovens.

21 março 2009

Esbugalheichion

É um ser pequeno, fofo, gordinho, a pele clara, cor de rosa. Ele é feito de amor, puro amor e se alimenta de carinho de criança. Costuma aparecer `a noite, antes das pessoas irem se deitar. Fica escondido atrás da porta, cobrindo o riso com a mãozinha gorda, esperando a hora de ouvir seu nome. Quando alguém finalmente diz "Esbugalhaichion" ele aparece correndo na pontinha dos pés e pula em cima daquele que estiver rindo mais alto. Cobre a pessoa de cheiros e beijos, faz cócegas, esperneia e diz "eu te amo"olhando bem nos olhos de quem ele escolheu.

As crianças adoram o Esbugalheichion porque se identificam com ele no amor sincero e incondicional. O único problema é que depois que ele vai embora, ninguém consegue dormir de tanta felicidade.

13 março 2009

Assunto de quinta, na sexta...

Aquecimento global é assunto de quinta, morrer de calor nessa gigantesca placa de cimento que é a grande São Paulo, também.

Na rua, dentro do metrô, no ônibus, no parque, você derrete. Em casa, não dá. Você olha pela janela e as árvores nem se mexem, parecem cenário, não tem uma brisa de misericórdia. E para dormir, como é que a gente faz? Dizem que o corpo com temperatura acima de 27 graus não descansa. Concordo. Eu não descanso, ninguém descansa.

Detesto calor! Só se for na praia, na piscina, no ar condicionado e...em muito boa companhia.

bedjo

san

06 março 2009

Feiticeira

Ela era bruxa, sim, feiticeira disfarçada!

Adorava olhar a lua cheia de madrugada, quando perdia o sono de tanto pensar.
Ficava enfeitiçada pelo luar que a cobria com fios de prata e a tornava uma verdadeira mulher que, na sua plenitude, podia voar leve e solta para qualquer lugar.

De manhã o sol, ao nascer, a cobria com fios de outro que lhe davam poderes de guerreira para lutar nesse mundo onde não se acredita em bruxas.

A chuva lavava sua aura, escorria pelos seus cabelos, pelo seu rosto e corpo, tirando as preocupações e os medos. Com os pés molhados, ela chutava as poças d'água, chutava os preconceitos. O cheiro da terra molhada, o perfume dos deuses da floresta, perfumava seu corpo.

Ela sabia fazer chás para todos os males, preparava poções do amor e banhos de beleza. Acendia velas, dizia rezas antigas com palavras que ninguém podia entender. Acreditava em santos e anjos, mas, poder, só o de Deus, que também é mulher, que não acusa nem castiga, mas move todo o universo em harmonia e mora dentro de cada ser.

Ela era daquelas bruxas que adivinhavam o pensamento dos outros, tinha sonhos e visões, falava com gnomos e duendes e brincava com as fadinhas das flores, que usam vestidinhos transparentes das cores das flores que elas cuidam.

Às vezes, quando estava com muita raiva, ficava velha, descabelada, com um olhar que dava medo e quebrava tudo, chamando raios e trovões, trincando vidraças. No entanto, cantava, dançava e mudava a cor dos olhos quando estava feliz.

Era teimosa, impaciente, impulsiva, punha os pés pelas mãos tentando encontrar quem a compreendesse. Nesse mundo, ninguém entende as feiticeiras, por isso elas vivem solitárias em florestas encantadas.

Quem sou eu?

Sandra, brasileira, paulista de coração.
Tenho quase certeza que sou um ser imaginário criado por mim mesma.
E esse ser imaginário diz que escreve, faz poesia, viaja na maionese.

02 fevereiro 2009

A Banca do Distinto

Não fala com pobre, não dá mão a preto, não carrega embrulho
Pra que tanta pose, doutor, pra que esse orgulho
A bruxa que é cega esbarra na gente e a vida estanca
O enfarte lhe pega, doutor e acaba essa banca
A vaidade é assim, põe o bobo no alto e retira a escada
Mas fica por perto esperando sentada, mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão
Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco afinal todo mundo é igual quando a vida termina
Com terra em cima e na horizontal

Gosto de samba, samba. Daqueles que dá para fazer uns passinos e dançar junto. Puladinho, se possível. Ontem, 1 de fevereiro, um calor dos infernos ( tenho certeza que não sobreviverei ao aquecimento global), uma reunião da Turma do Fundão e música ao vivo: um programa, se não diferente, energético. Denise Duran, irmã de Dolores cantou um dos meus sambinhas favoritos que é A Banca do Destino, de Billy Blanco.Não podia deixar de registrar.

05 janeiro 2009

2009

Janeiro em Sampa é bom.
Janeiro, em Sampa, com temperatura abaixo dos 21 graus centígrados é perfeito.
Apesar do mau humor, o ano definitivamente começou bem.
Que assim seja!