16 março 2010

A mãe, a filha e o neto

A mãe, com seus setenta e muitos, acabada, pele enrugada, queimada de sol. Não devia pentear os cabelos há dias, carteirinha de ziper na mão. O neto, no banco de trás, ia olhando as placas de rua e informando quantos pontos ainda faltavam para chegar. A filha, coitada, me olhou com o olho bom e sorriu; segurava a bengala, tinha o pé e metade dos quadris saindo para fora do banco e ocupando parte do corredor.

Olhei para os três e sorri. Calor dos infernos logo as dez horas da manhã e eu pensando na vida. Nisso entrou uma mulher bem vestida e muito perfumada. Depois de um ataque de tosse, mudei para o bando ao lado do neto atento.

Em frente ao hospital, a mãe pede para descer. Puxa a filha pelo braço e manda o neto ir andando na frente. Demoram alguns minutos para descer os três degraus, os carros buzinam, o motorista espera pacientemente. Ainda bem. Na rua, a mãe vai falando com a filha como se essa tivesse 5 anos de idade e os três atravessam a rua, fora da faixa, entre carros e motos.

E tem gente que reclama da vida.

Sheik no, babe!

Não para os sheiks das arábias. Onde já se viu? Maldito petróleo, droga negra e malcheirosa da qual somos dependentes!

Maditos dealers, os shieks, que inventam o maior aquário do mundo no meio do deserto, só para brincar de deus. E os idiotas, que não sabem onde mais enfiar dinheiro, pagam os tubos para ir lá ver. Ficam em hotéis 7, 8, 9 estrelas, só para depois contar para os amigos. Cara, fiquei num hotel em Dubai...

Não cabe mais gente no planeta. O número de ricos, ricos mesmo, diminui enquanto o número de pobres, os miseráveis mesmo, aumenta. As corporações se juntam para ganhar poder, os bancos inventam taxas, as empresas de telefonia desenvolvem especialistas em planos espetaculares que custam quase nada, mas também não servem para nada e não cobrem nenhum serviço que você precisa. Os cartões de crédito oferecem milhas que você nunca pode usar quando quer. Quanta mentira, todos mentirosos, tudo 171.

Dá raiva? Claro que dá. Fazer o quê? Nada.
Andar a pé , de ônibus e metrô, não fazer dívidas, ir à feira e viajar de ônibus pelo interior, melhor que classe econômica de avião. Já está de bom tamanho. Mas e o lazer onde fica?
O lazer mudou...