25 novembro 2011

Cena de crime

A casa está vazia e escura. Na sala, vê-se o contorno do sofá e os quadros na parede parecem borrões. As cortinas pesadas abafam o som que vem da rua. O corpo, que horas antes sonambulava pela casa, agora se esvai em sangue.

A casa teve muitos donos, tinha fama de assombrada e agourenta. A poça de sangue ao lado do morto confirma a sina. Amanhece, chove, anoitece, tudo permanece intacto. No segundo amanhecer o vizinho se preocupa, toma uma atitude e quase arrebenta a campainha de tanto tocar. Pula o portão, dá a volta na casa, pé ante pé, receoso. Descobre que a porta da frente não está trancada, entra. Quando vê o corpo do amigo em início de decomposição para, em choque e passa a fazer parte do cenário estático. Alguém atira o jornal na varanda, o pobre vizinho se dá conta, tira o celular do bolso, liga para a polícia, enquanto contorna o cadáver e tenta explicar o que vê. Percebe o buraco na testa e corre vomitar no banheiro.

Vem a polícia, o resgate, a perícia, o fotógrafo, o delegado, o rabecão do IML entra e estaciona no corredor lateral. Os funcionários abrem a porta de traz do veículo, retiram o gavetão galvanizado, entram com ele na sala, depositam no chão. O homem era corpulento, tiveram dificuldade de erguê-lo enrijecido e colocá-lo no caixão.

Fica o tapete empregnado de sangue e o cheiro da morte se espalha.

O vizinho, ainda chocado, vai para casa e conta para a mulher. Mais tarde, o casal assiste ao noticiário quando o telefone toca. Era a filha pedindo dinheiro emprestado. Voltam às notícias, o telefone novamente, dessa vez o celular. Engano.

A sombra sinistra da casa ao lado se espalha, eles ficam com medo. Ouvem o portão de ferro bater, espiam pela janela. O vento apenas varre as folhas.

Amanhece, chove, anoitece, tudo permanece intacto. Mais uma casa vazia e escura. Na sala, vê-se o contorno do sofá e dois corpos se esvaem em sangue.

2 comentários:

Paulo Fodra disse...

Muito bom, San! Curti o clima e o inexplicável assomando através da cena! Beijo!

Unknown disse...

Casa Tomada, Julio Cortazar.