29 dezembro 2011

Minhas memórias

Minhas memórias não são confiáveis. Quando cito nomes, eles são verdadeiros, quando descrevo personagens, eles são reais, existiram um dia,  porém, os fatos relatados podem ser apenas embustes da lembrança, cenas que se modificam a cada acesso. Poderia dizer que minha memória se parece com uma cômoda gigante quadrimensional, com gavetas que eu posso abrir, vasculhar para encontrar informações que preciso. Nelas, quando procuro o que eu quero encontro o que não quero. São armadilhas, tem laterais e fundos falsos que se abrem aleatoriamente, misturam  o que já estava separado com o que eu não quero saber. Assim são minhas  lembranças: pura ficção. 
Minha ficção, entretanto, fala mais de mim do que minhas memórias: a dentadura de meu pai escapando da boca ao me dar um beijo de boa noite, o corset de renda, cheio de ganchos nas costas que minha mãe usava em dias de festa, o cheiro da cama deles e o rádio ligado  de manhã. A bandeja na cama e o barulho do meu pai tomando café pelando, a morte de minha avó Dina, o casamento do meu padrinho, as missas aos domingos. 
Minhas tias e tios que eram velhos e tinham sotaques, contavam casos, discutiam. Às vezes tinham paciência comigo, às vezes eu sabia que estava atrapalhando e ficava emburrada no canto. Da rejeição ao amor extremo, assim cresci no meio de adultos quase normais, estranhos às vezes, fascinantes sempre. Entre salas de visitas e quintais, festas e funerais, fui catando conchinhas de relatos, pescando nesgas de sentimentos e tentando entender quem eram meus pais, os pais deles e os pais dos pais deles.
Quero saber quem sou eu no meio dessa avenida por onde tenho desfilado com certa galhardia? Além do DNA, o que me fez ser quem eu sou? 


14 dezembro 2011

Ballade

alento no fim de um dia pesado
abraço
cigarro, whiskey, a brisa na noite de verão
banho morno
água no rosto, janela aberta
roupa velha de algodão





quando eu morrer
me embalem com Ballade
quero quem me quis
ouvindo comigo
quero que saibam que fui feliz