21 outubro 2012

Textos inspirados em outros textos - 3 - Adriana Falcão


Ali, deitada, divagou:
se fosse eu,
Teria escolhido lírios.
 Morrera de repente. Fora um ataque fulminante do coração, diziam os parentes chocados. Não choravam nem rezavam, apenas velavam o corpo da defunta, em total silêncio.No caixão enfeitado com rosas cor de rosa, cabelos cacheados e abundantes emolduravam o rosto. A pele transparente na testa, mal cobria as veias. Os lábios ressecados e entreabertos davam a impressão de que a bela mulher sorria, como se não soubesse que tinha morrido. As mãos sobre o peito seguravam um terço.
 No meio da manhã, chegou o marido segurando a filhinha de cinco anos pelas mãos
– Pobrezinha! Não deviam ter trazido... Pode ficar traumatizada.
– Elas sempre ficam traumatizadas. Eu também fiquei, e já era moça feita! – disse a tia avó, lembrando-se de sua mãe falecida havia mais de quarenta anos.
– Ela quis vir – disse o pai – queria entender o que acontece quando as pessoas morrem. Eu achei melhor ver a mãe e se despedir.
Segurando a menina no colo, o pai tentava explicar o inexplicável – vida e morte. Difícil para ele, mas ela entendeu. Olhava para a mãe com os olhos bem arregalados, se atinha aos detalhes, olhava para as pessoas. Pediu para descer. O pai a colocou no chão e ela saiu correndo em direção ao corredor, entrando, a seguir, na sala ao lado, onde havia outro velório. Ficou parada na entrada, observando e logo voltou para perto do pai.
A hora do enterro se aproximava, as pessoas iam chegando sem saber o que dizer. Abraçavam o pai, faziam um carinho na menina agarrada às pernas dele, chegavam perto do caixão e faziam o sinal da cruz.
Lá fora, um movimento: o carro funerário havia chegado e dois funcionários de roupa caqui entraram com um papel na mão. Pegaram a tampa, que estava encostada na parede, e cobriram o caixão.
–Vão levar a mamãe? Eu nunca mais vou ver ela? Quero ver de novo, quero dar tchau para a mamãe, posso? Me segura no colo papai, quero ver.
O pai a ergueu e a abraçou com força. A menina jogou um beijo e deu adeus com a mãozinha. Enquanto atarraxavam os parafusos ela disse:
– A mamãe me disse que gostava de lírios.

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