25 março 2013

Nova face

Viajar era emocionante, mas foi ficando cansativo. Uma das poucas vantagens de estar num avião é poder ficar sem fazer absolutamente nada por algumas horas. 
Já estou nas alturas, sem preocupações nem cobranças apenas aproveito o tempo em minha companhia. Tiro um cochilo e acordo com o rosto no frio vidro. Ainda tonta, vejo pela janela o solo quadriculado, lembrando uma colcha de retalhos, mais precisamente uma colcha de retalhos de veludo cotelê, com todos os tons de verde, marrom e ocre. E a cidade na linha do horizonte, ali, como se fosse uma maquete morta, velha, empoeirada, arreganhando os poucos arranha-céus que também são sem vida, sem cor e se confundem com a poeira pairando no ar. Divago na descrição do cenário para tentar entender o que ocupa minha alma. Cochilo novamente.
Agora vejo as montanhas, com a neve branquinha que persiste nos cumes, lembrando um bolo de chocolate amargo polvilhado com açúcar de confeiteiro. Admiro o cenário e, nas montanhas, vejo a nova face da velha solidão. Das outras faces, conheço o medo de estar só, o vácuo de estar entre as pessoas que não mais me amam e que eu não amo mais, o vazio dos que se foram, a solidão das grandes decisões. Em segundos, vejo todas as faces fazendo parte de minha existência. Sobrevoando as montanhas do Colorado procuro gravar o momento, esta nova face que assusta e atrai dissolvida em fumaça. É bela, é uma solidão abençoada que me mostra que sou só, mas faço parte deste grande todo, onde os detalhes desaparecem  nas nuvens. 

Quanto tempo eu perdi com eles, que me deram uma identidade que eu não precisava ter e que absolutamente não me pertencia! Agora eu simplesmente sou.

Neste momento, a paisagem é lunar. As nuvens de carneirinho se confundem com as montanhas cobertas de neve. Não me lembro de ter visto nada parecido. Flocos de algodão doce e açúcar de confeiteiro...Sou meu pai e minha mãe, meu irmão e minha irmã, meu marido e minha esposa...Eu sou. 
Da janela, vejo apenas fumaça e luz. Paz  é o deleite de estar só. Sinto cada parte do meu corpo:  mãos ressecadas, cabelo despenteado, narinas dilatadas pelo ar pressurizado, mão e braço adormecidos, pernas inchadas e o coração em paz. Sinto-me só, deliciosamente só.

06 março 2013

Satisfaction

Ela revirou uma gaveta, pegou fósforos e um saquinho plástico. Ligou a vitrola portátil e pôs um LP de vinil importado: Rolling Stones. Depois acendeu um incenso e as velas que decoravam a cômoda. Atirou-se na cama, ajeitou as almofadas, acendeu o baseado com toda a calma do mundo e comungou-o comigo, até o finzinho. Roçou sua perna na minha coxa, subiu. Logo estávamos entregues ao desejo desatinado, o que não me impediu de olhar bem dentro dos seus olhos enquanto a beijava. I can't get no satisfaction I can't get no satisfaction 'Cause I try and I try and I try and I try I can't get no, I can't get no…