A casa onde cresci era um sobrado geminado, pequeno e perfeito. Minha mãe sabia como ninguém cuidar daquela casinha branca. Depois de um quintal muito pequeno, havia quartinho um de despejo. Piso hidráulico com mosaicos, predominando tons de amarelo e marrom, uma espécie de guarda-roupa vagabundo de pinho pintado de cinza, onde coisas velhas se acumulavam. " Um dia a gente pode precisar..." Dentro do quarto havia um ralo, uma coisa estranha, com tampa de cimento, uma alça de ferro enferrujada para puxar. Volta e meia era preciso ser limpo com creolina, eu ficava curiosa para ver o que ia sair de lá...pedaços de vassoura de piaçaba, cabelo, fios de linha, poeira acumulada, enfim, o lixo do quintal. Um nojo hoje; interessante naquele tempo.
Um dia, pedi à minha mãe o quartinho só para mim - seria meu escritório, com a velha máquina de escrever e meu material de artesanato. Ela concordou. Passou cal nas paredes, no armário, na mesa e na estante. Os móveis, que já eram horríveis, continuavam horríveis e pintados de branco. Comprou tecido, fez cortinas azuis, de um paninho vagabundo, mas vistoso, ajeitou tudo para mim. Que eu cuidasse e usasse bem, afinal, era uma parte da casa. Lá dentro, o nirvana, o céu e eu não saída de lá. No meu pequeno refúgio, procurava expressar quem eu achava que era em forma arte. Via um futuro promissor e cheio de afeto, como estava acostumada.
Mudamos de lá, mudamos de vida, de cidade, de país e a casinha ficou. Às vezes eu sonhava com ela, lembrava de pequenos detalhes, como os cantos do rodapé, as vigas de madeira no teto, " estilo mexicano", dizia minha mãe. Via as árvores antigas da rua serem arrancadas, as raízes expostas, olhava de perto aqueles nós e queria protegê-los. Sentia o cheiro da terra úmida e cavava buracos procurando minhocas.
Quando voltamos fui até lá: o sobradinho parecia menor ainda. Tudo estava intacto, cheio de poeira. Meu paraíso particular tinha sobrevivido ao tempo, mas a porta estava empenada e podre. Abri tudo, abri a janela, as cortinas rasgaram. As latas de tinta e os pincéis secos, pilhas de jornal amarelado, trapos encardidos e secos, e o armário lá. Em princípio, tive medo de abrir. O que teria lá dentro? Nada. Lixo. Madeiras velhas, tralha de cozinha, inutilidades. Ninguém precisou delas. Fiz uma fogueira no meio do quintal, fui jogando aquilo tudo, via o fogo queimando aquele monte de coisas que não faziam mais o menor sentido.
25 junho 2013
17 junho 2013
Escritoras e o Erotismo
Em um
tempo em que os homens achavam que “nada se poderia esperar intelectualmente
das mulheres”, Virginia Wolf já questionava a posição da mulher na sociedade e
na literatura. No livro-ensaio, Um Quarto Só Para Si (1929), onde encontra-se a citação " Uma mulher deve ter dinheiro e um quarto próprio se ela quiser escrever ficção. ", em descrições detalhadas e bastante cinematográficas, ela aponta as diferenças entre
universidades dirigidas ao público masculino, e as poucas universidades que permitiam a presença feminina, por exemplo. Nas primeiras, o luxo
sustentado pelos cofres do rei e a abundância de laboratórios, equipamentos, bibliotecas; nas outras, ambiente sóbrio, quase rural, onde imperava
apenas a sede de conhecimento. Um pouco antes, homens considerados importantes ainda diriam “elas são sustentadas
pelos homens e servem a eles”. A questão não era só servi-los, mas não poder ser independente financeiramente. Que mulher teria tempo de se
dedicar à literatura tendo 13 filhos para criar?
Se pensarmos
o quanto a posição da mulher mudou depois da I e da II Guerra, da Revolução Industrial,
do advento da pílula anticoncepcional decorrente da revolução sexual dos anos 60,
vamos perceber que a virada foi rápida e radical, depois de séculos de mesmice.
Final
da década de 50, a psicóloga Virginia Johnson se associa ao médico William
Masters no estudo do ato sexual humano e do
tratamento das disfunções sexuais. Muitos livros depois, com relatos
sobre conhecimento científico da sexualidade humana, tratamento de problemas
sexuais, a ausência de orgasmo feminino, etc., muitas portas se abriram, houve melhoria
da vida sexual de muita gente em todo o mundo. As mulheres ficaram sabendo que era possível ter prazer e passaram a reivindicar seus orgasmos.
A partir dos
romances eróticos de Anaïs Nin, influenciados pela obra de James Joyce e a
psicanálise, à D. H. Lawrence, que apesar de ser do sexo masculino inovou com “O Amante de Lady Chatterley” ao revelar os
desejos sexuais de uma burguesa e seu amante, a literatura sobre erotismo já começava
a dar tímidos passos.
No
Brasil, a primeira mulher a publicar poesias eróticas, Olga Savary, hoje com 77 anos
diz que pensa muito em sexo. Atrás do sorriso enigmático, guarda retratos e
poemas de admiradores famosos e histórias picantes, profundas e divertidas.
Contemporânea de Olga, Cassandra Rios foi uma das autoras mais vendidas, e
perseguidas, nos anos 60 - a censura não tolerava o forte conteúdo erótico de
sua obra, assuntos como homossexualidade feminina, relações entre sexo,
religião, política. Não menos transgressora, Adelaide Carraro, outra brasileira
que deixou obra extensa, sendo o título mais conhecido “Eu e o Governador”, sobre
suposto romance com Jânio Quadros, quando este era governador de São Paulo.
Hoje,
poucas décadas depois, as mulheres já caminham altivas, com suas conquistas.
Sabem que ainda falta, mas querem arriscar. E. L. James, a dona de casa
britânica que descreve sem reservas suas fantasias sexuais, sacudiu o imaginário de outras
milhares de donas de casa com seus “
Cinquenta Tons de Cinza”. Com ela, as americanas Sylvia Day e Eve Berlin, a
francesa Catherine Millet e italiana Melissa Panarello, entre outras, também
aderiram à moda.
Se E.
L. James escreve mal, se o conteúdo é questionável e outros tantos senões, o
fato é que a trilogia está aí, nas mãos da mulheres no metrô, nas salas de espera e em toda parte. Sinal de que a luta de Virginia Wolf e das que
vieram depois não foi em vão. Vamos ficar atentos agora às novas vozes
femininas, brasileiras falando de sexo e desejo, com todo o charme que nos é
atribuído.
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