25 junho 2013

Quartinho dos Fundos

A casa onde cresci era um sobrado geminado, pequeno e perfeito. Minha mãe sabia como ninguém cuidar daquela casinha branca. Depois de um quintal muito pequeno, havia quartinho um de despejo. Piso hidráulico com mosaicos, predominando tons de amarelo e marrom, uma espécie de guarda-roupa vagabundo de pinho pintado de cinza, onde coisas velhas se acumulavam. " Um dia a gente pode precisar..." Dentro do quarto havia um ralo, uma coisa estranha, com tampa de cimento, uma alça de ferro enferrujada para puxar. Volta e meia era preciso ser limpo com creolina, eu ficava curiosa para ver o que ia sair de lá...pedaços de vassoura de piaçaba, cabelo, fios de linha, poeira acumulada, enfim, o lixo do quintal. Um nojo hoje;  interessante naquele tempo.

Um dia, pedi à minha mãe o quartinho só para mim - seria meu escritório, com a velha máquina de escrever e meu  material de artesanato. Ela concordou. Passou cal nas paredes, no armário, na mesa e na estante. Os móveis, que já eram horríveis, continuavam horríveis e pintados de branco. Comprou tecido, fez cortinas azuis, de um paninho vagabundo, mas vistoso, ajeitou tudo para mim. Que eu cuidasse e usasse bem, afinal, era uma parte da casa. Lá dentro, o nirvana, o céu  e eu não saída de lá. No meu pequeno refúgio, procurava expressar quem eu achava que era em forma arte. Via um futuro promissor e cheio de afeto, como estava acostumada.

Mudamos de lá, mudamos de vida, de cidade, de país e a casinha ficou. Às vezes eu sonhava com ela, lembrava de pequenos detalhes, como os cantos do rodapé, as vigas de madeira no teto, " estilo mexicano", dizia minha mãe. Via as árvores antigas da rua serem arrancadas, as raízes expostas, olhava de perto aqueles nós e queria protegê-los. Sentia o cheiro da terra úmida e cavava buracos procurando minhocas.

Quando voltamos fui até lá: o sobradinho parecia menor ainda. Tudo estava intacto, cheio de poeira. Meu paraíso particular  tinha sobrevivido ao tempo, mas a porta estava empenada e podre. Abri tudo, abri a janela, as cortinas rasgaram. As latas de tinta e os pincéis secos, pilhas de jornal amarelado, trapos encardidos e secos, e o armário lá. Em princípio, tive medo de abrir. O que teria lá dentro? Nada. Lixo. Madeiras velhas, tralha de cozinha, inutilidades. Ninguém precisou delas. Fiz uma fogueira no meio do quintal, fui jogando aquilo tudo, via o fogo queimando aquele monte de coisas que não faziam mais o menor sentido.

Nenhum comentário: