17 julho 2013

Flip 2013

Uns dias de chuva em Paraty, depois a Flip. Não tão cheia quanto o ano passado, não tão glamourosa  mas com muita gente boa que sabe o que diz. Tive sorte. depois de tantas Flips tive a impressão que não se sabe mais quem convidar. Alguns estrelinhas não compareceram, jovens moçoilas que fazem poesia foram enaltecidas, a mesma cidade encantadora de sempre, as mesmas pessoas não tão encantadoras de sempre, público que gosta de literatura em geral, Off Flip alternativa crescendo, Globo comprando a cidade. Sesc fazendo feio com um gerador barulhento estragando a paisagem, além  de música altíssima, nada a ver com o clima da festa.

Comprei ingressos na quarta de manhã, tudo na tenda do telão - que por sinal agora tem uma qualidade assustadora. Está maior e parece que você entra dentro da tela.- Gostei de tudo que vi e ouvi, me senti meio que fazendo parte de tudo. 

A casa onde fico é linda, acolhedora, inspiradora. Arrisquei escrever um pouco aproveitando o cenário de filme. A Vivo ficou fora do ar, fiquei sem telefone. A casa não tem internet e, na cidade, nem sempre é fácil achar um wireless. Quando achei, me pediram para sair, afinal precisavam atender outros clientes e fazer dinheiro. Olha que fiquei o tempo em que estava jantando e pagando bem carinho, por sinal. Mas a internet não fez tanta falta, dei um tempo. Achei uma lanhouse fora do centro histórico, dois reais a hora e os cachorros da rua fazendo presença no ar condicionado...porta aberta, é claro.

Doces, salgados, sopinhas e provinhas de cachaça. Saladão e peixinho grelhado. Que mais eu preciso, meu deus? Segue um resuminho.



Quarta, dia 3, Show de abertura com Gilberto Gil. O vi de pertinho na pousada tirando fotos para a imprensa. Não foi sensacional, foi tranquilo, muita gente dentro e fora, beira mar ouvindo Gil.


Quinta, dia 4,  comecei o dia na Casa da Folha 2, tomando capuccino, lendo jornal e ouvindo primeiro Rui Castro falando que o "Rio voltou para ficar, mais uma vez, por toda vida." Muitos cariocas adorando ouvi-lo falar da Cidade Maravilhosa. Esse dia eu quase acreditei que o Rio de Janeiro é o centro do mundo. Tudo lá é melhor, maior, o primeiro, o mais importante. Ah... e quem, como eu, diz Rio de Janeiro é quem não tem intimidade... me senti mais paulista do que nunca. Com papo simpático de botequim, alma carioca, Rui Castro fez uma retrospectiva bem bacana. Muito bom ouvi-lo contar seus casos. Falou, claro, das biografias, de como coleciona informações. Caso interessante quando fazia a biografia de Carmem Miranda, uma amiga da cantora o procurou dizendo que queria falar sobre seu casamento no Rio. Eles se encontraram e a senhora descreveu nos mínimos detalhes o casamento, as roupas, a festa, as flores, tudo enfim. O que acontece é que Carmem Miranda não se casou no Rio. Nem se casou, na verdade e o que a senhora lembrava era do casamento da Aurora, irmã da famosa.


Na Casa da Folha 1 cheguei cedo para ver e ouvir Laerte. Achei um lugar bacana, com banco de encosto, levei uns 5 ou 6 pisões, inclusive de uma senhora que pisou em um pé e apoiou a bengala no outro. Quando eu gritei de dor ela disse: " E olha que eu nem coloquei meu peso todo..." Então. Laerte é fofo, tem estilo, usa acessórios e fala macio, quase dá sono. Tranquilo. Aparentemente tranquilo. Achei que era alto e magro, mas não. Atarracado, de saia, echarpe e andar de homem. Simpático, cumprimenta as pessoas. Seu humor anda meio triste, diz ele que está mudando. Todo mundo muda, ainda bem.

Voltei para a Casa da Folha 2 para ouvir Comida de Rua X Comida de de Chef, com Alexandra Forbes e André Barcinski. Ele, simpaticíssimo, procura lugarezinhos inusitados com comidas diferentes e bem preparadas. Escreveu um livro sobre culinária ogra, interessante. Ela, antipaticíssima, insuportável, eu diria, começou dizendo que tinha acabado de chegar da Europa, há 10 minutos precisamente, fez cara de nojo e contou o quanto a vida dela é chata viajando o mundo inteiro visitando os melhores restaurantes e provando delícias dos mais famosos chefes. Tão, chata, mas tão chata que eu até fiquei para ver se ela conseguia ser mais chata ainda. Me enganei, depois ela foi melhorando um pouco. Quase conversei com ela. Ouvi dizer que ela era tipo gostosona, bonitona. Pode ser. A cara dela é seca, parece santa de pau. Logo depois fui pesquisar sobre ela, parece que é importante.

Ao lado da Casa da Folha 2, fica a Casa do Instituto Moreira Salles, a programação deles também estava muito boa. O local é chique, as pessoas são chiques, fiquei para ver e ouvir Milton Hatoum. Simples, ele. Fofo. Cabelinho parecido com o meu: armado. Deve ser característica de gente das arábias... Não fiquei até o fim. Noite linda e gelada.


Para encerrar o dia, na tenda dos autores, aquela fechada, com anfiteatro, ar condicionado e todo conforto, aconteceu uma mesa extra " Narrar a Rua" com Marcus Vinicius Faustini, Pablo Capilé, Fabiano Calixto e Juan Arias. Só deu Capilé e Arias. Capilé,  o mais jovem, com voz de periferia e linguagem popular. O mais velho, Arias, espanhol que escolheu o Brasil para passar o fim de seus dias. Ambos geniais. Dá uma esperança ouvir gente assim, impressão de que o mundo ainda tem jeito.






Essa e mais outras duas mesas foram formadas para colocar em pauta os protestos que vêm acontecendo no Brasil todo ultimamente, que foram assistidos e analisados em tempo real por milhares de pessoas via blogs, sites, redes sociais, jornais e televisão. Os primeiros meios de comunicação, que acabei de citar,  apresentaram o que quiseram sem nenhum filtro. Os convidados são intelectuais que acompanharam de perto os movimentos e se reuniram para discutir as diferentes estratégias para narrar a rua. Agora é hora de reclamar e exigir direito e direitos.


Não vou conseguir reproduzir o que eles disseram, mas saí de lá com uma esperança boa, uma fé no ser humano e no Brasil e contente por ter a mente aberta e conseguir entender o que a internet tem feito com a História. As coisas estão mudando e tenho certeza que é para melhor. Mesmo que louca e desordenadamente, as coisas acontecem e vamos conseguir algo de bom com isso.

Sexta, dia 5, logo às 10 horas fui saber um pouco da Ficha Política de Graciliano Ramos, o homenageado da feira. Randal Johnson, professor na Califórnia, brasilianista, Dênis de Moraes, biógrafo do autor,  e o sociólogo Sergio Miceli falaram do autor que, sim teve participação política porque literatura é política. Fiquei sabendo um pouco mais do Graça, como dizem. Bom assim, você tem uma ideia, um apanhado geral. Logo cedo. Gostei.


Em seguida, "O Prazer do Texto" com Lila Azam Zanganeh e o filho do João Bosco, Francisco Bosco. Dois jovens bonitos, inteligentes deixaram a gente flutuando. Ela, filha de iranianos, nascida em Paris, aos 20 anos foi dar aulas de cinema e literatura em Harvard. Geninha. Fala 6 idiomas e aprendeu português para falar na Flip. Falou direitinho e até cantou trem das Onze, com pascarigundum e tudo. O Bosco estava dizendo que a música supera a palavra, por isso as vezes se usa onomatopéia, tipo teteretetete...obala, aê, etc.


Então ela, lindinha, cantou a música que diz que é a que mais gosta em português. Estudiosa de Nabocov, ensaísta emergente e premiada, mistura ensaio biografia e ficção. Quero ler seu livro o Encantador. Bosco também se dedica a escrever ensaios.




O dia estava cheio. Depois de comer peixinho e salada fui para o Clube dos Autores, que estava numa casa muito gostosa na Rua Santa Rita, ouvir Marcelo Antinori. Economista, trabalhou na secretaria da Fazenda, fez a transição da VASP estatal para empresa privada, trabalhou no Banco Mundial e participou de CPIs bravas. Agora é só escritor. ( Como se fosse pouco...) Em 1 ano escreveu 4 livros e relançou na FLIP seu Labirinto de Mariana em e-book, pela Amazon. Articulado, interessante, contou um pouco do seu processo criativo, de como surgiu a ideia do livro, ali mesmo em Paraty, algumas décadas antes. Não deu para fazer tudo, no mesmo horário tinha uma mesa " A Vida Moderna em Kafka e Baudelaire". O bate papo com Antinori estava mais interessante.


Fim de tarde maravilhoso, o beira rio e o beira mar num visual estonteante e fui ver uma mesa que simplesmente adorei "Ficção e Confissão" com Tobias Wolff e o mexicano Juan Pablo Villalobos, que veio no lugar do norueguês Karl Ove Kanusgârd. Basicamente falaram do velho tema o que é memória, o que é ficção e que todo escritor é um bom mentiroso. Tobias e Juan Pablo têm memórias e confissões pessoais como elementos muito fortes em suas obras e falaram da importância de encontrar a voz literária para cada história que contam. Genial. Diz ele, Wolff,  que fomos criados sabendo que mentira é pecado. Mas o escritor, ao escrever ficção está mentindo, inventando, o que não deixa de ser a busca da verdade. Quando ele era estudante, não era um bom estudante, tirava notas péssimas, mas, na escola que frequentava o boletim era preenchido a lápis e então ele alterava as notas. Quando precisou mudar de escola, ele mesmo fez suas cartas de apresentação  como um bom estudante, mas fez tão bem que foi aprovado. Foi aí que entendeu  que poderia fazer c com que as pessoas acreditassem no que ele escreve.

Mencionou um conto que escreveu sobre um crítico literário que estava numa fila de banco quando entram ladões para fazer um assalto gritando frases feitas, que o crítico detestava. Em vez de se apavorar, o crítico ria dos chavões e acabou por irritar um dos ladrões. Quando esse disse mais uma frase feita do tipo "cale a boca senão eu atiro', o crítico deu uma gargalhada e, claro, levou um tiro. Então, o autor descreve com detalhes o percurso da bala, o que o crítico sentia a cada milésimo de segundo e todas as memórias que lhe vieram à tona antes de morrer. Achei esse relato bastante inspirador.

O mexicano Juan Pablo tem bastante senso de humor. 

"Quando decidi escrever 'Festa no Covil', que são as memórias de um filho de um traficante mexicano, a escolha da voz infantil na narrativa foi fundamental para que o livro não tivesse uma posição moralista e relação à violência, às drogas e aos dramas mexicanos", disse Villalobos.
Usou sua experiência de vida e fez um personagem muito parecido com ele mesmo e com seu irmão quando eram pequenos e viviam numa cidadezinha pequena onde nada acontecia. Eles inventavam histórias para afastar o tédio.

Depois de ouvir e ver tanta coisa boa, chegou o momento que mais esperava " Lendo Pessoa à Beira-mar, com Maria Betânia (67) e Clarice Bernardinelli (96). Show. Emocionante. D. Cleo roubou o show de Betânia que respeitosamente a aplaudia e admirava. Confessaram publicamente quererem gravar um cd com os poemas de Fernando Pessoa. 




Fiquei bestificada com a energia de D. Cleo, com a clareza e a interpretação dos poemas. Marcelo Antinori, que assistia ao meu lado disse " essa senhora é o Fernando Pessoa". O pior é que é verdade. E eu, pobre de mim que me emociono com a beleza de qualquer coisa, derramei umas lagriminhas disfarçadas. Adorei mil vezes. Achei a Betânia a feia mais bonita que eu já vi. Ela parece uma aparição, uma entidade. Da platéia, além das perguntas, vieram declarações de amor, às que ela respondeu com toda elegância e um pouco de vaidade, que lhe cai muito bem. 
O poema que mais gostei foi o que se segue, cabendo à D. Cleo todos os "ridículos" muito bem colocados. Betânia era só sorrisos.

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos, 21-10-1935


Mas o dia ainda não tinha acabado. Um frio danado, voltei à casa para colocar uma roupa por cima da outra e voltar à tenda do telão. Por sinal enorme e com uma qualidade  e definição de imagem espetacular. Para comemorar os 100 anos de nascimento de Vinicius de Moraes, Vinícius 100, palavra e música, um show aula sobre as músicas e letras do poeta com José Miguel Wisnick. Não fiquei até o fim, Estava muito frio. Fui tomar uma sopinha e acabei provando uma cachaça, essa sim espantou o frio e eu dormi feito um anjo.

Sábado, dia 6, Casa da Folha 2, capuccino, jornal, banquinho duro, beeemmmm desconfortável e Zeca Camargo, lançando seu e-book "Nu". Ao fazer 50 anos decidiu se isolar por uns tempos, foi para a Islândia, onde tem pouco gente ( na verdade, na Islândia não tem nem árvore.), e ficou pensando na vida, na idade, no corpo, na memória . Acabou escrevendo um livro confessional. Articulado e animadíssimo, deu atenção a todo mundo. quando citou que os livros que usou de referência para escrever seu livro foram dois livros não muito conhecidos que eu lé e adorei, fiquei bem contente. Afinal, não sou tão sem noção assim. os Livros são de Nora Ephron, roteirista do clássico Harry and Sally, e David Sedaris, colunista com um humor negro inconfundível.

Almoço com a família e a longa viagem de ônibus de volta. Juro que eu levo uma mala ainda menor da próxima vez. O laptop, não levo mais. Trambolho.

10 julho 2013

Descendo a serra

Na janela, a natureza passa depressa como um rolo disparado...mato, rocha, planta, barranco, mato, pedra, terra, planta. De repente, a lua. Enorme e amarela, de um brilho fosco e perolado. Lua, mato, barranco, pedra, terra, planta. Lua amarela derramando pérola líquida no mar. Céu de cetim cinza chumbo, montanha de veludo preto, pedrinhas de cristal em forma de trio, de cruzeiro, do que eu quiser. O rolo de natureza me hipnotiza, lembranças tonteiam, adormeço.

Acordo com a lua alta, agora branca quase azul, com seu véu de noiva turbulento se arrastando e branqueando o mar. Paraty. Mochila pesada, as pedras das ruas, a casa colonial, o jardim. Tomo banho de lua e respiro liberdade. Passeio na cidade, ouço música, tomo vinho, passeio no beira rio. Não quero dormir, não quero falar, não quero nem me mexer. Quero apenas ser.