Ela é
perfeita.
- Quero dormir, tire ela
daqui! Não quero ver ninguém... - respondeu a mãe com voz pastosa por causa do
clorofórmio.
Nasceu na segunda-feira às
7:30 da manhã pesando pouco mais de um quilo e meio. Custou a chorar.
Quando a
enfermeira trouxe a criança no quarto, toda enrolada em flanelas, só se via um
tufo de cabelo preto. O pai a recebeu de braços abertos, cantarolou e dançou
com a menina no colo. Depois, colocou-a na cama e a despiu. Encantado com
aquela criaturinha arroxeada, examinou os dedinhos de pé, da mão e a vestiu
novamente com habilidade. Sacudiu a mãe para que visse a criança.
Foram para a maternidade
no domingo à tarde. A mãe, nervosa, sentia-se gorda de tanta cerveja preta e
canjica; andava mal por causa da barriga e odiava arrastar os chinelos sem
salto. Que pelo menos fosse um menino, para compensar tanto desconforto e os
quinze anos sem filhos. O pai estava eufórico, depois de 40 anos bem vividos.
Com cuidado, a acomodou no carro e a levou para a maternidade do Instituto dos
Bancários.
Muito reservada, a mãe
estava contrariada em se expor para as enfermeiras nos preparativos do parto. A
bolsa rompeu, ela fez força e o bebê entrou e virou. O médico, que auscultava
os batimentos dela e da criança, percebeu que havia risco para ambas. Decidiu tirar
o bebê a fórceps altos.
Achando que o parto já
fosse martírio suficiente, a mãe não fazia ideia do que seria amamentar: o
peito sangrava e vertia leite a menina berrava, a boca era pequena e a fome
desesperadora. A solução foi buscar leite de ama. Durante um ano o casal cumpriu
esse ritual indo, todos os dias, buscar as garrafinhas de leite.
Do hall da maternidade, o
pai deu vários telefonemas. Depois foi registrara filha no cartório e aos
jornais colocar um anúncio no setor de nascimentos. A irmã da mãe veio ajudar e
disfarçou a decepção; como os outros parentes, esperava um menino grande,
forte, loiro e de olhos azuis. Tentou animar a irmã dizendo que o dia estava
lindo, que a criança era saudável, melhor que fosse mulher, pois seria
companheira. No dia de ir para casa a mãe estava pálida, com medo de enfrentar
a responsabilidade. Além do marido e dos pais doentes, agora tinha um bebê
prematuro para cuidar.
Inexperiente, tentava
parecer forte e segura. Quando cometia um erro, fumava um cigarro atrás do outro, não dormia de remorso. Um dia,
um acidente: ao sair da Santa Casa e entrar no carro derrubou a cesta com as
mamadeiras. Tremia ao ver o leite da pobre ama escorrendo na calçada. As
orelhas de abano da menina a incomodavam. Achou que colocando esparadrapo
poderia resolver; depois de uns dias, na hora de tirar, a pele veio junto, mas
as orelhas ficaram no lugar. As calças plásticas, novidade pós-guerra,
cozinhavam a pele fina; tudo difícil, a menina não queria comer, quando comia,
engasgava. Era um ser delicado, mas vingou.
A preocupação maior era
tornar aquele ser mínimo, que dependia totalmente dela, uma pessoa educada,
independente e responsável. A vida era muito dura, mas sua filha seria forte,
mais forte do que ela se esforçava ser.
A menina andou cedo, falou
cedo e logo tirou as fraldas. Alegrava a casa, entendia tudo que sua avó lhe falava
em italiano, desafiava as ordens da mãe e esperava o pai no fim do dia. Era uma
menininha pequena no meio de adultos e com dois anos foi para o que seria hoje
uma escolinha maternal, conviver com outras crianças e sair do ambiente pesado
de casa.
O pai sentiu a
responsabilidade, não queria que sua menina crescesse vendo os agiotas na porta
a cobrar dívidas de jogo. Dedicou-se ao seu trabalho no banco, deixou de jogar
e abriu uma camisaria como segunda fonte de renda. A mãe o apoiava em tudo,
eram parceiros, amantes e ...pais. Bons pais.