17 agosto 2014

CIRCULAR - PAULO HENRIQUES BRITTO

Jardim Alheio

tradução literal do poema - Não é a primeira vez que, em algum lugar, alguém está pensando a mesma coisa que você está prestes a dizer. Originalidade não tem vez neste mundo, nem neste tempo, nem neste lugar. Mesmo que você faça alguma coisa, nada vai mudar. É perda de tempo. É perda de tempo dizer qualquer coisa, mesmo parecendo que desta vez vai valer a pena. Não caia nessa porque é sempre a mesma coisa. Tanto faz tentar dizer coisas que fazem sentido, ou simplesmente se contradizer. Melhor não dizer mais nada, em vez de ficar o tempo todo aborrecendo as pessoas, sem sair do lugar, dizendo as mesmas coisas sem importância, como faz esse poema. Talvez esse poema diga coisas sem importância, talvez não diga e isso que acabei de dizer tenha sim importância.

No poema “Circular” Paulo Henriques Britto faz um verdadeiro “sudoku” com as palavras criando um quebra cabeça que exige raciocínio e lógica. Apesar de ser aparentemente simples, o poema é intrigante e, de certa forma, hipnótico, pela forma e pelo conteúdo. O  título já propõe um movimento que poderia ser interpretado como o ciclo da vida onde a natureza se repete, e as pessoas, sem perceber, também se repetem em palavras, o tempo todo. Aborrecem os outros com esse vício tão humano de querer chamar atenção para si, de querer exibir suas ideias aparentemente inteligentes e elaboradas, quando não passam de mesmices. Ao pensar que tudo já foi dito, o melhor é se calar, diz o poeta, porque seu próprio poema pode não ter a menor importância e ser mais um lugar comum, ou não.

De fato, o poema “Circular” nos faz pensar, primeiro, se não estamos apenas repetindo o que ouvimos por aí e aborrecendo os outros com palavras sem valor. Segundo, nos leva à reflexão se o próprio poema tem importância, ou não. Em uma análise reflexiva, porém, percebe-se que a originalidade está justamente na mensagem que nos alerta para esse movimento circular de pessoas se repetindo. Geralmente, quando entramos num círculo vicioso, não nos damos conta de que estamos presos nele. Perceber esse fato já pode ser meio caminho andado para sairmos dessa roda de “repetidores” e darmos o primeiro passo iniciando o caminho que decidimos, nós mesmos, desenhar e seguir.
O poema de Britto é direto, incisivo, moderno, de rima peculiar. Tem uma clareza quase assustadora, ao mesmo tempo instiga o pensamento. A repetição das palavras, no final de cada verso decassílabo e alternando-se harmoniosamente ao longo do corpo do poema, pode passar despercebida aos olhos menos treinados ou viciados em alguma mania “circular” que não permita que enxerguem ou sintam a engenhosidade e beleza do poema.
“Para entender o tradutor como poeta tentei “traduzir” seu poema e seguir sua teoria de “ não teoria”, ou seja, mergulhei na prática e, aos poucos, fui entrando na sua essência (espero). Como leitora, recebi cada descoberta de braços abertos e a mensagem já ficou gravada, creio que para sempre.


Tradutor profissional tanto nas direções inglês - português como português - inglês,  poeta e ensaísta, Paulo Henriques Britto atua como professor nas áreas de tradução, criação literária e literatura brasileira na PUC-Rio, que lhe concedeu em 2002 o título de Notório Saber. Já traduziu centenas de livros, tendo como suas principais traduções obras de Faulkner (2004), Byron (1989, reed. 2003), Bishop (2001), DeLillo (1999), Pynchon (1998), James (1994) e Stevens (1987). Prestigiado pelo seu trabalho não apenas como tradutor mas também como escritor, foi contemplado com vários prêmios, mais recentemente com Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira, pela obra Macau, concedido pela Portugal Telecom, 9 de novembro de 2004 e Prêmio Alceu Amoroso Lima - Poesia 2004, pela mesma obra, concedido pelo Centro Alceu Amoroso Lima Para a Liberdade e a Universidade Candido Mendes, 9 de dezembro de 2004.

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