JARDIM ALHEIRO –
Livro: “Contracorrente”,
Frederico Barbosa - Editora Iluminuras Ltda – 2000.
Tomo por princípio o ponto de
vista do leitor que, por primeira vez mergulha na poesia de Frederico Barbosa. No
belo projeto gráfico de Carlos Fernando, o volume apresenta agradável tamanho
de 14,0cm X 18,5cm, 64 páginas de um papel de ótima qualidade, na cor ocre, com
fonte moderna e de fácil leitura, na cor preta e em negrito. Ao abrir a orelha,
a surpresa de um marcador de livros a ser destacado. Na apresentação, o autor
diz que a missão do artista é buscar novos caminhos, sem nunca retroceder ou
ceder. Sua busca na poesia, já deixa
claro desde o início, é focar na
invenção e no rigor. Sua “Contracorrente” se propõe a ser “uma luz, ou uma
pedrada que incomode os acomodados de todos os lados”. Intrigante.
A capa realça uma reprodução da litografia
“ Square of Three: Black and Yellow” de Reginald Neal – 1964, que traz
associação imediata à década de 60 - marcada por um sabor de
inocência e até de lirismo nas manifestações sócio-culturais e, no âmbito da
política, o evidente idealismo e entusiasmo no espírito de transformar o mundo - em
contrapartida ao rígido moralismo da década anterior.
O Poeta pernambucano nascido em
Recife no ano de 1961, filho do crítico literário e professor João Alexandre Barbosa
e da professora Ana Mae Barbosa, sem dúvida sofreu influência da controvertida
década que teve como mote derrubar muralhas sócio-culturais e morais. Diretor
da Casa das Rosas, educador e comunicador inquestionável, define-se também orador
competente. Como poeta, supera-se!
“ Contracorrente” tem posfácio de Antonio Risério
que parte do princípio que os adeptos à idéia de que para ser poeta é preciso
não saber o que é um poema - alguns chegando ao exagero de afirmar que o poeta
deve ser, de preferência, analfabeto - estão equivocados. Segundo o escritor e
antropólogo, Frederico dá seu recado sem paparicar ninguém, o faz simplesmente
porque sabe escrever sem medo de assumir a herança que recebeu de mestres como
João Cabral de Melo Neto e Augusto de Campos. Na contracapa, o respeitado crítico literário Antonio
Candido define o poeta “plenamente integrado na sua personalidade poética” e
que seu lugar é entre os verdadeiros poetas de sua geração.
Que mais se poderia dizer? Os
mais importantes críticos são unânimes ao ressaltar a estirpe do poeta, seu
talento, sua ousadia, seu cuidado excessivo com cada palavra, sua preocupação
com a estética, seu estilo contraventor. Não se pode deixar de falar de sua
sensibilidade ao capturar imagens do cotidiano de uma grande cidade, o erotismo
dos apaixonados, as trevas da depressão dos mais sensíveis.
Para expressar o impacto que a poesia
de Frederico Barbosa causou, vou usar o recurso de uma ótica psicanalítica
confessando que ao ler “ Contracorrente” pude visualizar uma disciplinada
bailarina clássica que ensaia horas a fio aperfeiçoando a técnica e, quando se
supera, perfeita e transpirando música pelos poros, domina o palco em
movimentos modernos e ousados, na liberdade e amplitude de uma dança
contemporânea. Talvez por censura (ou preconceito), no decorrer da leitura, vi também a imagem masculina do músico apaixonado
pelos clássicos que estuda história da música, percepção e prática
instrumental, harmonia e contraponto, regência e arranjo. Pratica à exaustão,
domina o instrumento para depois improvisar um jazz contemporâneo, alterando
melodias e compassos.
O livro se divide em quatro
partes: Recusa; Encontros Diversos; Trocados da Sorte; Na Passagem. Para
comentar cada poema seria preciso mais tempo e mais aprofundamento. Todos me
tocaram de alguma forma, nenhum passou em branco. Todavia, prefiro comentar as
poesias de maior impacto. Como tradutora, tento “traduzir” a emoção despertada na
imersão nos versos. Desexistir, por exemplo, onde o eu lírico expressa a
angústia de saber que a hora de se matar já passou, é forte. Desexistir e
desisitir se tornam hábito, num jogo de palavras, numa idéia de desesperança e
sofrimento. Já em Diálogo com Poema Adolescente, o autor conversa com ele mesmo
e compara uma época, 1979, quando nada faz sentido, e 1999 quando o que faz
sentido é a morte por envenenamento de um corpo que envelhece; I, The Tempest, impressionante
pela força das poucas palavras que conseguem transmitir a turbulência de uma
alma jovem, com sede de viver.
Notei que Raro Cantar tem 11
sílabas métricas em todos os versos. O Raro Cantar dos raros versos hendecassilábicos.
Frederico ousa!
Jeans se traduz em imagem
impactante, não dá para não pensar no erotismo que um jeans colado à pele
provoca, não importa quem o vista, homem ou mulher. E leva imediatamente a Ad,
o ser que admira a beleza incondicional. Sabia, Lá e Paulistana de Verão seguem
a linha sensual. O concretismo de O, chama atenção pela forma, com um ponto solto
no final.
Ainda nesse grupo, Memória Se vem
com duplicidade e pode ser o que o leitor quiser que seja. Foi possível visualizar uma cena completa, o
prazer nas dobras e desdobras do papel ao fazer um cigarro de maconha, no gosto
redondo e na língua retina ao fumar, soprar e rir, sentindo o perfume da erva.
Na terceira parte, o poeta
seleciona suas impressões sobre a grande cidade: um passeio desolado pela
BR-116, a dificuldade que o cidadão tem ao se deparar com a miséria ao lado do
luxo, o não querer ver e a culpa, em Rabo de Fora. Chuva, ratos, prostitutas,
indignação e inconformismo.
E, por fim, na última parte, o
desespero e a ansiedade de ver chegar a Nova Era vêm em forma gráfica, números
enormes numa contagem regressiva. O novo milênio, que já nasce ultrapassado. Já
era!
Sandra Schamas
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