Atravessamos
a avenida fora da faixa de mãos dadas, surfando entre os carros. Sem fôlego,
ríamos da molecagem quando o vento descolou do meu pescoço a echarpe de seda
que eu gostava tanto. Um arrepio passou por mim. Ela alçou um voo ligeiro, se
contorceu, foi se exibindo sinuosa. Tentei voltar para pegá-la, mas os carros
formavam uma esteira rolante, sem a menor brecha entre um e outro. Pus o pé no
meio fio e uma turba de motos cobriu o asfalto. Recuei. A echarpe subia e descia no ar, uma
pipa estampada, etérea e sem controle. O ônibus quase a pegou, mas ela se
esgueirou graciosa até se engastalhar na copa de uma árvore. Ficou lá, latejando
por uns instantes, até que o vento deslocado pelo carro-forte a fez voar
novamente. Foi.
A
cidade de pedra, os carros aflitos e a seda a dançar no ar poluído. Liberta de
todos os medos, linda! Acabei me conformando. Não era mais minha, era do céu e
do vento. Meu pescoço sentiria a falta do seu calor macio, meu batom e os
brincos não teriam mais com o quê combinar.
Ele
percebeu meu desapontamento, tentou me consolar dizendo compraria outra mais
bonita. Eu não queria outra, queria a minha. Incontáveis vezes a usei no pescoço, amarrada na cintura,
prendendo o cabelo, cobrindo decote ou presa na alça da bolsa, para ser usada
depois.
Começou
a chover e os pingos grossos a empurravam para baixo. Ia descendo pesada, mas
não desistia. Rodopiou, se esgueirou entre os carros até que a perdi de vista.