22 novembro 2015

Aqui jazz


Fim de tarde. Zé gostava do frio, gostava de pensar que estava em algum país da Europa, que seu café era em Paris, tinha até colocado um poster da torre Eifell, meio rasgado nas beiradas, na parede ao lado do balcão. Sentia-se bem nos seus devaneios enquanto limpava as mesas.
Uma mulher madura se aproxima, sorri sincera e pede um café. Logo depois, quem ela estava esperando chega andando apressado e senta-se ao seu lado. Dava para notar que era bem mais jovem que ela. Terno sóbrio, gravata discreta, sapato de cromo alemão. Também pede um café. Curto, por favor.

- Você não mudou... -  diz ele.
- Dez anos? Ou mais? - diz ela, sem sequer ousar olhar nos olhos dele com medo de morrer envenenada.

Um abraço cerimonioso, quase infantil, mãos frias e suadas, coração marcando um compasso. Começam a atropelar os assuntos como se a última conversa tivesse sido ontem e as horas vão passando. Tudo passa. As afinidades ficam. Havia um querer bem. As memórias, fotografadas de ângulos diferentes, desfilavam entre eles como tiras de celuloide de um antigo roteiro.

Algumas horas antes…

Ela está pronta para sair e, como sempre, anda pela casa feito barata tonta, certificando-se de que não esqueceu de nada. Revira a bolsa, pega a chave de casa com uma mão e, com a outra, liga o celular. Mais uma olhadinha no espelho do lavabo e abre a porta para chamar o elevador. O telefone toca e uma voz familiar pergunta quem fala. Ela responde hesitante e ele se identifica. Silêncio.

Ela entra, deixa cair o corpo na poltrona, larga a bolsa no chão e continua a conversa com voz contida, disfarçando a emoção. O estômago arde, aperta e regurgita uma mágoa há muito ruminada. Dez anos e a certeza de que um dia isso iria acontecer.  Marcam um encontro para o final da tarde, será que foi uma boa ideia? Estava atrasada, pensaria a respeito a caminho do escritório.

Passa o dia sem nem um pingo de concentração fala ao telefone, responde e-mails, participa de uma longa reunião, olha no relógio, não quer almoçar. Toma água, desce até a calçada para fumar um cigarro, finge que trabalha mais um pouco e vai ao encontro de um fantasma, de alguém que ela duvidou que um dia tivesse existido. Aqui jazz um amor de adolescente.


Não sente o chão sob seus pés. Será que eu estou bem?

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