08 janeiro 2018

O Estigma de L. de Leonor Cione

Aproveito esses dias entre o Natal e o Ano Novo para mergulhar no novo romance de Leonor Cione "O Estigma de L." - Editoria Quelônio - São Paulo - 2017. Um projeto gráfico arrojado de Silvia Nastari, capa ilustrada com colagem a partir de fotos e pinturas dos anos 1950, quando a trama acontece.
É a história de Lili que não recorda o passado. Está em um sanatório e sabe apenas que não gosta do lugar. As pessoas ao seu redor não se comunicam, por isso, prefere ficar no seu canto favorito perto da janela, ao lado de uma mancha de mofo que se parece com um mapa.  As atendentes são grosseiras, o prato de comida já vem feito da cozinha e o uniforme é feio e amassado.

Entre os pouquíssimos pertences, que guarda em uma lata de biscoito enferrujada, há um velho almanaque, remota referência que provoca em Lili flashes de seu passado. Para ela, não faz diferença que aquelas previsões sejam antigas, o que importa é que basta procurar e logo encontra alternativas e conselhos nas palavras que cheiram a mofo. De vez em quando, Lili não toma o comprimido amarelo, pois precisa lembrar-se de alguém que venha buscá-la. Depois de 20 anos, talvez? Assim, as lembranças vão brotando desordenadamente durante as longas horas de sua rotina sem sentido.

Acompanha o livro um almanaque criado integralmente pela autora, porém nos moldes da época, e que complementa de forma bastante original a obra. Contém variedades para todos os meses do ano como Horóscopo, Pensamentos, Fases da Lua, Você Sabia?, etc. e os peculiares "reclames", como por exemplo o do Xampu Adeline Briand - o segredo de cabecinhas lindas,  ou o Elixir Guarani - que levanta até defunto.

Mês a mês, de mãos dadas com L., e dentro de um sanatório árido, você vai se inteirando dos fatos dramáticos na vida da estranha mulher. A escrita vem para você leve, apesar do conteúdo dramático; tudo  na medida certa com a concisão da narrativa enxuta e precisa. Na minha opinião, um bom livro é assim: faz você se sentir abduzido e totalmente  inserido no contexto da ficção. Do primeiro ao último capítulo, ou seja, de janeiro a dezembro, você é Lili, vê o que ela vê, sente o que ela sente  presa na própria amnésia, vai desvendando com ela os fatos que levam à reflexão. Por fim,  o desfecho narrado em primeira pessoa aproxima ainda mais o leitor.

Nesse seu primeiro romance, Leonor Cione nos surpreende com  seu talento de veterana. Sabe contar  uma história bem contada, intrigante, apaixonante e muito bem apresentada. Gostei muito e recomendo. Quer presente melhor que uma boa leitura?


Sandra Schamas
São Paulo janeiro 2018.

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